Para ser tentado... (Mt 4,1-11)
Poderia causar espécie, espanto,
escândalo: o próprio Filho de Deus ser conduzido pelo Espírito Santo “para ser
tentado”. Como se as tentações não fossem algo absolutamente normal em pessoas
humanas...
Ora, Jesus, o Verbo de Deus feito
homem, assumiu de fato nossa humanidade. Logo, ele era “tentável” na nova
natureza que havia assumido ao nascer de mulher, isto é, poderia ser submetido
a alguma proposta do mal, ainda que a perfeição de sua natureza divina
limitasse tal proposta ao exterior de sua pessoa. Aceitando livremente que
fosse posto, por um tempo, “abaixo dos anjos” (cf. Hb 2,9), Jesus se mostra
solidário conosco em toda a nossa condição humana, exceto o pecado (cf. Hb
4,15; 1Pd 2,22): tem fome e sede, cansa-se, sua e sangra, sofre com as negações
e traições dos discípulos, fica irado com a mercantilização do Templo e de seu
culto. Enfim, morre entre dois ladrões, como um homem qualquer.
Assim, não deveríamos estranhar
que ele passasse também pelas tentações do maligno, que lhe acenava com uma
vida de autonomia (em relação ao Pai), de glória espetacular e de poder
temporal (perante os homens). Diante das citações bíblicas que lhe apresenta o
primeiro exegeta da história – Satanás -, Jesus de Nazaré recorre a outras
passagens da Escritura para corrigir a hierarquia dos valores eternos, onde a
obediência filial ocupa lugar central. Esta obediência do Novo Adão lhe permite
vencer o mal insinuante, ao contrário do primeiro Adão, que aceitara a
arrogante proposta de insurreição e autodeterminação nos albores da humanidade.
Vale notar que o tentador se
aproxima exatamente ao fim de um jejum de quarenta dias, quando Jesus se acha
enfraquecido ao extremo e, humanamente falando, mais vulnerável à tentação. E
não se trata de algum tipo de simulação, mas de uma tentação real com todos os
aspectos “agradáveis” que elas costumam trazer: atrair a admiração das
multidões por um feito espetacular, assumir poder sobre o mundo dos homens,
além de prover seu próprio alimento.
Ainda hoje, o inimigo dos homens –
e inimigo da Igreja! – vem bater o ponto e propor que o bem seja alcançado por
meio do mal, do mero esforço humano, dos planos e projetos do orgulho adâmico,
e não acolhido como dom amoroso do Pai. No fio da navalha, o admirável mistério
da liberdade do homem. Liberdade que lhe foi concedida para escolher o bem.
Isto é, escolher a Deus.
Orai sem cessar: “Guardo a vossa Palavra no fundo do meu coração.” (Sl 119,11)
Texto de Antônio Carlos Santini,
da Comunidade Católica Nova Aliança.
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