Deus não fará justiça?
(Lc 18,1-8)
Na retórica, as perguntas são
utilizadas com diferentes intenções. Há perguntas motivadoras para o auditório.
Há perguntas que servem de “escada” para o próprio orador. E há perguntas que
dispensam resposta, pois elas são absurdas por natureza.
É o caso da pergunta acima: Deus, o
Justo, deixaria de fazer justiça àqueles que clamam por ele dia e noite? Fica
evidente que uma atitude de indiferença ou de neutralidade diante da injustiça
atentaria contra a própria natureza divina. Como Deus é justo, acabará por
intervir e fazer justiça.
Para acentuar esta verdade – que
deveria ser óbvia - Jesus narra a curta parábola de um “juiz injusto”. Isto,
por si só, já é um absurdo: o homem encarregado de fazer justiça é, por
definição, um inimigo da própria justiça. E mais: o próprio magistrado tem
consciência disso: “Não temo a Deus nem tenho respeito pelos homens!” (Lc 18,4)
E assim caem por terra dois pilares da Justiça: a relação vertical com o
Criador de todos os homens e a relação horizontal com nossos irmãos humanos.
Jesus faz entrar em cena a figura da
viúva pobre que vai ao juiz injusto em busca de... justiça! Qual seria o teor
da causa? Roubaram-lhe a cabra que lhe fornecia dois copos de leite por dia? O
inquilino que alugara a casinha do finado marido se recusava a pagar o aluguel?
Não vem ao caso, mas tenho convicção de que seria algo pequeno... tão pequeno
quanto os pobres de Yahweh.
E Jesus narra – imagino que
pausadamente, sem pressa, estendendo os detalhes, ao gosto dos orientais – as
repetidas tentativas da viuvinha para obter um mandado judicial e recuperar seu
prejuízo.
O clímax da narrativa é o momento em
que o juiz injusto, sem nenhum amor pela justiça, fica chateado com a
insistência da viúva e, mesmo, teme uma agressão física (no original grego, hypopiádze, “acertar meu olho”). Por
isso, mesmo sem apreço pela justiça, acaba atendendo à querelante.
E Jesus conclui: se um magistrado
corrompido acaba por atender à insistência de uma viúva, quanto mais o vosso
Pai do céu, o Santo e Justo, atenderá a quem lhe pede com insistência!
Quando rezamos – e o contexto desta
parábola é exatamente a oração – não nos dirigimos a um juiz, como esses que
julgam processos empoeirados, mas a um Pai cheio de amor. Sendo Pai, atenderá a
seus filhos. Ou não?
Orai
sem cessar: “Os justos clamam e o Senhor os ouve!” (Sl 34,18)
Texto
de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
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