Somos servos inúteis... (Lc 17,7-10)
Em nossa vida, tudo é graça. Tudo é
dom. Mesmo o bem que fazemos, só o fazemos porque o amor de Deus agiu em nós.
Um santo dizia: “Se eu pequei, Deus me perdoou; se eu não pequei, Deus me
sustentou.” De fato, se o Senhor nos entregar a nós mesmos, a nossas más
inclinações, boa coisa não sairá...
Hoje, mesmo na Igreja, cresce outra
vez a heresia pelagiana. Segundo esta concepção do homem, nós seríamos capazes
de fazer o bem e chegar à salvação apenas contando com nosso esforço e boa
vontade. Leia-se: sem a graça de Deus. Tal mistura de voluntarismo e esforço
heróico (derivada de uma ilusão otimista acerca de nossa natureza!) acaba por
dispensar Deus e colocar-nos em seu pedestal.
Ora. Este acesso de loucura
existencial é diretamente contradito pelo ensinamento de Jesus: “Sem mim, nada podeis
fazer.” (Jo 15,5.) Em tudo, dependemos do Senhor. Sem o Espírito Santo, nos
desviamos da verdade. Contando apenas conosco, decaímos em terríveis
degradações morais.
Ora, no Evangelho de hoje, somos
interpelados por esta frase dura de engolir: “Somos servos inúteis...” Alguns
pretendem atenuar a tradução: “Somos uns servos quaisquer... Somos uns pobres
servidores...” Mas é bater de frente contra a tradução direta (e literal) da
expressão original de São Lucas!
Creio que Jesus sabia o que dizia
aos nos qualificar assim. Por um lado, ao chamar apóstolos e discípulos, é
claro que Jesus contava com nossa cooperação na construção do Reino. Quis
precisar de nossa... inutilidade. Por outro lado, o Mestre devia saber
do risco que corremos quando cumprimos nossa obrigação e nos julgamos credores
de Deus, com direito a regalias e retribuições especiais. Ele sabe como a
vaidade modula nossa voz e orienta nossos gestos. Assim, dá-nos o rótulo de
“inúteis” como antídoto contra a soberba. Que bom!
Após uma de minhas primeiras
pregações, fui cumprimentado por uma freira bem velhinha (já em fase terminal,
devido a um câncer, sem que eu o soubesse). Minha resposta foi pedir-lhe que
rezasse por mim, para que eu não ficasse vaidoso. A baixinha cresceu à minha
frente, cheia de santa fúria, e botou o indicador em meu nariz: “Vaidoso?! Deus
sabe que você, sozinho, não vale nada!”
Deus lhe pague, Irmã Margarida!
Orai sem
cessar: “Ó Deus, conheces a minha tolice!” (Sl 69,6)
Texto de
Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
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