Filtrais o
mosquito... (Mt 23,23-26)
Como homem do povo – carpinteiro de
profissão –, Jesus é um estranho Rabi. Não usa aquela linguagem empolada dos
teólogos, com suas parusias e perícopes, escatologias e hermenêuticas. Ao
contrário, o pobre Galileu fala das avezitas do céu e das flores do campo, do
joio e do trigo, de mosquitos e de camelos.
Neste Evangelho, Jesus aparece no
árduo trabalho de arrancar as máscaras dos fariseus de seu tempo: “hipócritas”
é uma expressão ligada ao teatro grego, que os artistas levavam ali pertinho,
em Cesareia, falando por trás da máscara cômica e da máscara trágica. Choravam
sem sentir tristeza e riam sem experimentar alegria. Pura exterioridade! Puro
fingimento!
A lição de Jesus é que a verdadeira
religião não depende de práticas externas (como pagar minuciosos dízimos sobre
a hortelã e o cominho – autênticas quinquilharias rituais!), uma novena aqui,
uma procissão acolá, mas de um coração amoroso inteiramente orientado para o
Pai. Os doutores da lei, naquele tempo, oneravam o povo simples com o pesado
fardo de numerosas normas acrescentadas aos Dez Mandamentos (613 preceitos já
foram contabilizados!).
Em sua linguagem clara e forte,
Jesus mostra que os pretensos líderes da espiritualidade – escribas e fariseus
- estão filtrando as moscas (presos a detalhes ínfimos da religião), mas
engolem camelos (deixam de lado os aspectos fundamentais da religião, como a
justiça social, o amor ao próximo, a misericórdia e a fidelidade a Deus).
Que diria Jesus Cristo de nossa
sociedade brasileira? Como veria a mulher pobre condenada e presa por roubar um
simples xampu, enquanto os senadores e deputados enriquecem com as verbas
desviadas e os projetos superfaturados? Como veria as passeatas que protestam
contra a morte de uma criança, enquanto milhões de fetos são abortados pelos
próprios pais, sem dó nem piedade? Como veria os pastores que utilizam o
Evangelho para arrancar o dízimo dos pobres e com ele construir verdadeiros
impérios econômicos?
O alerta de Jesus deve tocar também
nossa vida pessoal. Será que também nós estamos filtrando os mosquitos, ao
mesmo tempo em que engolimos os camelos de nossa impiedade?
Orai sem
cessar: “O Senhor ama os atos de justiça!” (Sl 11,7)
Texto de
Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
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