Muitas
traduções omitem esse convite à alegria, trocado pela saudação romana: Ave!
Mas o texto grego de Lucas traz a palavra Chaire, fazendo ecoar o brado
de Sofonias (3,14): “Grita de alegria, filha de Sião, brada aclamações, Israel,
rejubila-te, ri com gosto, filha de Jerusalém. O Senhor cancelou as sentenças
que pesavam sobre ti, afastou teu inimigo. O rei de Israel, o Senhor, ele
mesmo, está no meio de ti, não terás mais de temer o mal.” (Sf 3,14-15.)
Se, por um
lado, a filha de Sião é o próprio povo escolhido, que há séculos espera pelo
cumprimento das promessas relativas ao Messias, por outro lado Maria encarna e
resume em sua pessoa esse mesmo Israel. É a iminência do cumprimento da
promessa e a chegada do Messias “no meio do seu povo” que motiva a alegria.
Acabou a longa noite da tristeza, quando as sentinelas vigiavam, à espera dos
lampejos róseos da aurora. Eis o Sol!
Gabriel, o
mensageiro da Anunciação, compreendia muito bem o alcance da boa notícia que
ele trazia à Virgem de Nazaré. Por isso mesmo, sua primeira frase convida ao
júbilo espiritual. Não é preciso muita imaginação para avaliar com que alegria
a jovem Maria galgou as montanhas de Judá até a casa de Isabel. Essa mesma
alegria – fruto do Espírito Santo – projetou-se em Isabel e no filho que
esperava, o Precursor de Cristo.
E nós? Nossa
vivência religiosa é uma experiência de alegria? Ou somos devotos sonolentos,
fiéis que mercadejam graças, católicos lamurientos, sempre insatisfeitos com
nossa cruz? Que é que brota de nossa inserção na Igreja? Que efeitos gera em
nós a comunhão eucarística? Que frutos colhemos do contato diário com a Palavra
de Deus?
Já diziam os
antigos: um santo triste é um triste santo! Nossa alegria pode ser o estímulo
que atraia muita gente para Jesus. Nosso azedume e nossas queixas certamente
hão de escandalizar os mais próximos, ao constatarem que nossa religião não se
transforma em vida...
Claro, não
confundamos alegria com alacridade. As maritacas são álacres, barulhentas.
Certos grupos religiosos podem parecer animados, mas não passam de agitados. A
verdadeira alegria não é muscular, epidérmica. Uma alegria profunda é serena e
tranquila; podemos chamá-la de letícia. Ou de paz interior. A alegria é um
outro nome da Paz...
Orai sem cessar: “Minha única alegria se encontra no
Senhor!” (Sl 104,34)
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