O guarda de meu irmão? (Gn 4,1-15.25)
Ao contrário do que ouvi em muitas
pregações, não sinto na pergunta de Caim um tom de insolência e desafio. Sua
pergunta não é absolutamente uma frase de deboche. Creio, antes, que o irmão
assassino realmente ainda não tinha consciência de seus deveres de
fraternidade. Só agora, depois do nefando crime, Caim começa a perceber que
devia guardar e tutelar o outro irmão.
Alguém se espanta com isto? Pois há
mais motivos de espanto: de algum modo, todos nós somos Caim!
Os mendigos batem à nossa porta e
nos sentimos incomodados por eles. Eles são Abel... Há uma legião de
analfabetos à nossa volta e nunca nos dispusemos a alfabetizar um único deles.
Somos Caim. A jovem solteira ficou grávida e nós não a animamos a ter a
criança. O feto é Abel. O estudante fica feliz e comemora porque o concorrente
se deu mal no vestibular. Este é Caim...
Depois de vinte séculos de
cristianismo, nós ainda estamos bem longe de edificar uma sociedade fraterna
onde os bens sejam partilhados conforme as necessidades de cada um. A ânsia
capitalista de acumular sempre mais e o medo de perder os bens já acumulados
nos transformaram em trêmulos prisioneiros em nossa própria casa. São muros
altos, encimados de cacos de vidro. São cercas elétricas e arame farpado como
nos campos de concentração nazistas. São portões eletrônicos e guardas armados
na guarita. Tudo porque, lá fora, está Abel. Aqui dentro, Caim.
E a Escritura Sagrada precisa gritar
insistentemente para nós, os profetas roucos precisam esgoelar-se: - Sim, você
é exatamente o guarda de seu irmão. Não o mate outra vez, mas arrisque a sua
própria vida para salvar o irmão em perigo. Abel drogado. Abel nu. Abel
faminto. Abel encarcerado. Abel perfurado pela bala perdida. Abel no seu
portão, pedindo apenas um prato de comida.
Ao tomar consciência de seu crime,
Caim sente remorso. Teme ser alvo de vingança. E Deus – que é amor – traça em
sua fronte um sinal: ele é meu! Ele me pertence! Ninguém o tocará!
Também na nossa fronte, desde o
batismo cristão, Deus traçou uma cruz. Nós lhe pertencemos. Assim como lhe
pertencem todos os outros irmãos que atravessam nosso caminho. E este será o
único critério de nosso julgamento, no Juízo Final: a identificação – ou não –
daquele a quem deveríamos guardar, tutelar, proteger. Caim só entrará no céu
abraçado a seu irmão...
Orai sem cessar: “Por
amor de meus irmãos e de meus amigos,
pedirei
a paz para ti.”
(Sl 122,8)
Texto
de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

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