Fogo do céu... (Lc 9,51-56)
A memória
religiosa do povo hebreu registra alguns exemplos não muito edificantes. O
“zelo furioso” do profeta Elias é um desses casos chocantes. Seu remédio para a
idolatria dos adoradores de Baal foi passar a fio de espada centenas de
profetas daquela divindade cananeia (cf. 1Rs 19). Para acabar com o pecado,
acaba-se com o pecador...
Nada mais
estranho aos projetos de Deus, que “não se compraz com a morte do pecador, mas
antes com a sua conversão, de modo que tenha a vida” (cf. Ez 33,11). Na
prática, é bastante difícil separar o zelo pela ortodoxia de algum impulso de
odiosa intolerância.
O episódio do
Evangelho de hoje deve ser situado no contexto da secular inimizade entre
judeus e samaritanos, existente desde o repovoamento da Palestina no Séc. VIII
a.C. Os vizinhos samaritanos eram malvistos pelos judeus devido ao seu sincretismo
religioso e às práticas supersticiosas, além de “competirem” com o culto de
Jerusalém, construindo um Templo rival no Monte Garizim.
Natural que
também reagissem com sentimentos similares. Há o registro histórico de uma
incursão de samaritanos em Jerusalém, na véspera da Páscoa, para jogar a
carcaça podre de um cachorro sobre os muros do Templo, tornando o local
ritualmente impuro e impedindo a celebração pascal.
Assim,
quando perceberam que Jesus e seu grupo iam para Jerusalém, os aldeões de
Samaria lhes recusaram pousada. Inflamados com a recusa, dois discípulos se
oferecem a Jesus para invocarem o fogo do céu sobre os “inimigos”. O Mestre não
só os repreendeu, mas, daquele dia em diante, com boa dose de humor, passou a
chamar Tiago e João de “Boanerges”, isto é, “filhos do trovão” (cf. Mc 3,17).
Ainda
hoje, com todo o nosso (pós)modernismo, temos discípulos de Elias, Boanerges do
3º milênio. Falo de cristãos que se sentem em permanente combate contra outras
Igrejas ou denominações religiosas. Assumindo uma reação de defesa, sofrem ao
ter notícia do crescimento de outros grupos e mostram-se avessos a todo tipo de
diálogo e convivência. Claro que não seria esta a atitude de Jesus, se vivesse
hoje entre nós...
Não
seria por ódio que iríamos fritar os diferentes? Creio que o fogo do amor seria
bem mais apropriado que o fogo do céu!
Orai sem cessar: “Que todos sejam um, Pai, como estás em mim e
eu em ti...” (Jo 17,21)
Texto de Antônio Carlos Santini,
da Comunidade Católica Nova Aliança.
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