Odiar o pai... (Lc 14,25-33)
O leitor se
espanta? Pois faz muito bem! Ouvir da boca de Jesus que “odiar o pai e a mãe” é
condição para o seguir, não pode deixar de causar algum escândalo... Ainda mais
que somos ocidentais e nem sempre lemos as palavras ditas por um oriental com
os matizes próprios de sua visão de mundo. Pode ajudar um pouco – e temperar
nosso escândalo - se levarmos em consideração que os idiomas do tronco semita
(hebraico, aramaico etc.) não possuíam o nosso grau comparativo, que lhes
permitisse uma construção frasal do tipo: “amar o pai menos que a mim”
ou “amar a mim mais do que à própria mãe”. Assim, na ausência do
comparativo, o recurso era contrastar amar X odiar.
Mesmo sem
maiores conhecimentos de linguística, bastava o bom senso para iluminar a
questão. Este Jesus que nos fala é o mesmo que ensinou: “amarás o teu próximo
como a ti mesmo”. É o mesmo Jesus que nos garantiu que a antiga Lei não estava
abolida, e a Lei mosaica ordenava peremptoriamente: “Honrarás teu pai e tua
mãe!” Logo, o Mestre da Galileia não mandaria ninguém odiar pai nem
mãe...
Ajuda ainda
mais se levarmos em conta que, para seguir sua missão, Jesus de Nazaré “abandonou”
sua mãe viúva e lançou-se pelas estradas empoeiradas da Palestina a anunciar o
Reino e pregar a conversão dos corações. Não é uma forma de “odiar”? Deixar
atrás a Mãe tão amada para cumprir a vontade de Deus? Calar os afetos mais
íntimos para deixar que fale uma missão intransferível? Não é o que fizeram
tantos homens e mulheres de vida consagrada, tantos santos e missionários de
todas as épocas?
E se alguém
ainda se escandaliza, talvez seja a hora exata de lembrar que todos nós
deixamos nossos pais para nos casar e formar o nosso próprio lar. E que muita
gente cheia de afetos e carinhos abandona a família e vai para o outro lado do
planeta só para progredir na carreira profissional e garantir mais uns
caraminguás em sua conta bancária. Só que, desta vez, como se trata de money,
ninguém protesta...
Sim, amigos,
o cristianismo tem uma cruz bem no centro. A mensagem do Evangelho é claramente
incompatível com apegos de todo tipo – afetivos, materiais e financeiros. O
caminho do Calvário é um contínuo despojamento: à margem da estrada vão ficando
todas aquelas coisas e pessoas que nos pareciam indispensáveis a nosso
equilíbrio e segurança.
Orai sem cessar: “Mesmo que a mãe esquecesse o filho,
eu
não te esqueceria nunca!” (Is 49,15)
Texto de Antônio Carlos Santini,
da Comunidade Católica Nova Aliança.
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