O pão dos
filhos... (Mc 7,24-30)
Cena dura de contemplar! A
estrangeira, uma siro-fenícia, suplica a Jesus que liberte do demônio sua
filhinha possessa. Jesus adia a resposta: antes dos “outros”, é aos “filhos”
que cabe preferencialmente o pão do céu. Sim, missão de Jesus se dirigia
primariamente ao Povo Escolhido, aos filhos de Abraão.
A siro-fenícia, além do mais, era
uma “impura” aos olhos dos judeus. Na Fenícia estavam os centros comerciais de
Tiro e Sidônia. Ali se fabricava a “púrpura”, corante de alto valor, obtido do
esmagamento de um molusco abundante nessa região do Mediterrâneo, o “murex”. No litoral, acumulavam-se
montanhas de carapaças de moluscos já descartados. O mau cheiro era muito
forte. Daí, para um judeu, a “impureza” ritual. Some-se a isto o fato de os
filisteus (de cultura fenícia) praticarem a ‘prostituição sagrada’ e adorarem
falsos ídolos, como Astarte, que concorriam com o Senhor Javé, e temos aí o
caldo de cultura suficiente para acirrar a inimizade entre os dois povos... Não
admira que Israel, depreciativamente, chamasse de “cães” aos pagãos idólatras!
Mas a siro-fenícia – essa mulher
admirável! – também tem uma filha. E se Deus sabe alimentar seus filhos com pão
cotidiano, ela também está disposta a lutar por sua cria. Mesmo quando o Mestre
faz o áspero contraste entre “filhos” e “cães”, ela se mantém firme. E com
notável humildade (e bom senso!), sem se deixar afastar pela recusa inicial,
diz a Jesus que nem de longe pretende usurpar o pão que cabe aos filhos, mas
está de olho tão somente nas migalhas que os filhos deixam cair debaixo da mesa
e, naturalmente... sobram para os filhotes dos cães... Por isso mesmo, sua fé
insistente acaba atendida.
Ah! Como nós – os filhos – temos
desperdiçado o pão que Deus nos dá! Pão da Palavra, fonte de sabedoria e luz
interior, e que acaba empoeirado nas estantes... Pão da Eucaristia, que chega a
mofar nos sacrários (sei disso por experiência pessoal)! Toda a “despensa” dos
sacramentos, o baú precioso da vida dos santos, dos textos patrísticos, dos
documentos do magistério eclesial! Pão em abundância, que os filhos desprezam
em troca das bolachas tóxicas da TV e da literatura do anticristo... E Deus,
vendo que os filhos desprezam seu pão, volta seu olhar para os estrangeiros, os
não-povo, os goyim, e faz
cair sobre eles o maná do céu, abrindo um novo êxodo na história da humanidade.
E nós? Agimos como filhos?
Frequentamos a mesa que o Pai preparou para nós?
Orai
sem cessar: “Senhor, dá-nos sempre deste pão!” (Jo
6,34)
Texto
de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
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