No tempo de nossos pais... (Mt 23,27-32)
Neste Evangelho – uma espinhosa
coleção de mal-aventuranças iniciadas por sete “ais” que prenunciam desgraças –
o Mestre verbera a hipocrisia das lideranças religiosas de Israel, trazendo à
tona as graves contradições entre pequenos ritos e grandes infidelidades,
higiene exterior e íntima podridão, copos limpos e almas imundas...
Um dos exemplos citados por Jesus é
a habitual atitude de acusar os antepassados por seus erros (como o assassinato
dos profetas, no caso de Israel) e julgar-nos superior a eles, como se não
estivéssemos envolvidos em crimes semelhantes.
Em geral, os filhos costumam
alimentar mágoas e ressentimentos em relação aos pais. São frequentes as
queixas e acusações. Modernos que somos, não conseguimos evitar um sorriso de
ironia diante das “ignorâncias” dos antepassados. Muitos casais de hoje
escolheram como lema a frase: “Não queremos que nossos filhos passem aquilo que
passamos”. Claro, a culpa é dos antigos...
Ora, somos melhores que eles? Somos
capazes dos sacrifícios que eles assumiram em uma época de grandes carências
materiais e duros combates pela sobrevivência? Estamos repetindo seus gestos de
desapego, como aquelas mães que tiravam de seu prato a comida dos filhos? Temos
as mãos calejadas para que nossos descendentes tenham seu diploma?
Eram tempos difíceis. Não havia luz
elétrica nem água encanada. Tempos de lamparina de querosene, de buscar água na
bica. Tempos de comprar roupa nova apenas quando a velha apodrecia. Tempos de
meia-sola nos sapatos. E as vovós a declamar: “Remenda o pano, que dura mais um
ano; remenda outra vez, que dura mais um mês”...
Eram tempos de fé manifesta em
pequenos gestos. A oração antes da refeição. A família reunida para rezar o
terço antes de dormir. O dia pontuado pelo tradicional “bênção, mãe” e pelo
“Deus te abençoe, meu filho!”
Outro engano cometido por nós
acontece quando comentamos: “Hoje é muito difícil ser cristão. Se eu tivesse
vivido no tempo de Jesus, teria sido mais fácil!” Na verdade, é exatamente o
contrário. A proximidade com a realidade humana de Jesus, sua família humana, a
oficina do carpinteiro e – acima de tudo – sua escandalosa morte na cruz foram
sérios obstáculos para que o acolhessem como Messias Salvador. Hoje, após vinte
séculos de evangelização, após uma legião de mártires, após a reflexão dos
grandes mestres espirituais, após os exemplos admiráveis de tantos servos e
ervas de Deus, nossa fé tem muito mais andaimes para se apoiar.
Por tudo isso devemos sentir-nos
pressionados a buscar uma sincera conversão e dedicar todo o nosso esforço em
cooperar com a Graça, que nos chama a abandonar nossas máscaras e centrar nossa
vida na edificação do Reino de Deus. Este é o nosso tempo...
Orai sem cessar: “Senhor, meus tempos estão em tuas mãos!” (Sl 31,16)
Texto de Antônio Carlos Santini, da
Comunidade Católica Nova Aliança.
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