sexta-feira, 2 de março de 2012

PALAVRA DE VIDA

 Do abismo profundo... (Salmo 130 [129] )
                 O salmo da Liturgia de hoje – conhecido pelas palavras latinas que o iniciam na Vulgata, o De Profundis - é um dos poemas da Bíblia que mais tem inspirado músicos e poetas de todos os tempos. Sem dúvida, isto se explica porque o homem é perito em quedas e, uma vez no fundo do poço, torna-se capaz das mais belas expressões de fé.
            E ninguém se espante com isso: quando as coisas correm bem, quando somos amados e aplaudidos, quando não passamos fome nem frio, nossa tendência natural é esquecer-nos de Deus. Bem, confessemos: na prática, nós nos sentíamos verdadeiros deuses. Logo, por que buscaríamos por outro Deus?
            Ouçamos o comentário de Santo Agostinho: “Esta noite, nós decidimos fazer uma vigília. Conservemos acordados não somente os nossos olhos, mas também nosso coração. Experimentemos cantar este salmo com inteligência: Do fundo do abismo, eu gritei para vós, Senhor; Senhor, ouvi minha voz!” É um cântico das subidas e a oração de um homem que sobe para Jerusalém. Também cada um de nós deve ver qual é para ele este fundo de abismo de onde deve subir sua oração para Deus.”
            Agostinho recorda o profeta Jonas, que rezou belíssimo salmo a partir do “coração” [kardia] do oceano e da “barriga” [koilia] do peixe (cf. Jn 2,3ss). “Jonas gritou do fundo de um abismo; ele estava no ventre da baleia (sic), e não apenas no fundo do mar, mas ainda nas entranhas de um monstro. E, no entanto, nem a massa da besta nem as vagas retiveram sua oração, não a impediram de chegar até Deus. Ela atravessou tudo, rompeu todos os obstáculos e chegou até os ouvidos de Deus.”
            O melhor vem a seguir. Para Santo Agostinho, nada pôde impedir que o grito de Jonas chegasse aos ouvidos do Senhor porque seus ouvidos estavam... no coração do suplicante! E aqui cai por terra nossa mortal ilusão acerca de um Deus distante, como aquele interpelado pelo poeta Castro Alves no “Navio Negreiro”, aparentemente neutro diante do sofrimento vivido pelos africanos no porão do navio: “Onde estás, que não respondes? Em que mundo, em que estrela tu te escondes?”
            É sempre a virtude da esperança – a virtude menina de Claudel - que leva o fiel a permanecer em vigília: “Minha alma espera pelo Senhor, mais que as sentinelas pela autora” (v. 6). A ausência da oração aponta na direção do desespero. Afinal, por que rezar, se ninguém me escuta? Ao contrário, esperando contra toda esperança, quando todos já cruzaram os braços, o fiel persevera na oração.
            Ainda persevero na vida de oração?

Orai sem cessar: “Invoquei o Senhor e ele me atendeu!” (Jn 2,3)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

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