sábado, 3 de março de 2012

PALAVRA DE VIDA

 De todo o coração... (Sl 119 [118],1-2.4-5.7-8)
            Segundo a Bíblia de Jerusalém, “temos neste salmo um dos monumentos mais característicos da devoção israelita para com a Revelação divina”. Afinal de contas, o Senhor Yahweh elegera um povo para ser “seu povo”, a ele dirigira sua Palavra e entregara sua Lei. Como não valorizar e venerar a Palavra do Senhor? Aliás, daí mesmo brotava o sentimento de superioridade de Israel em relação aos não-povo, os goyim, pois fora a Israel que o Senhor se dirigira no Sinai.
            A Leitura da Liturgia de hoje (Dt 26,16-19) fala-nos a respeito de uma dupla escolha: celebrando a Aliança, Israel escolheu Yahweh como seu Deus, e Yahweh escolheu Israel como seu povo. O testemunho dessa aliança é a própria Palavra, a Lei a ser obedecida “de todo o coração”. Quando o Salmo 119 fala de “coração sincero”, alude à integridade ou inteireza do fiel em relação a seu Deus. Fala de uma “concentração” em Deus, sem que seu dinamismo interior se disperse por outros “amores”, outros “ídolos”, o que seria, na prática, uma forma de prostituição – termo que o AT aplica à idolatria. E a pedra de toque, o critério para comprovar esta integridade é a Torah, a palavra revelada.
            O teólogo luterano alemão Dietrich Bonhoeffer, preso e assassinado pelos nazistas em 1945, comenta: “Sem dúvida o Salmo 119 é pesado, por sua extensão e sua monotonia, mas nós devemos proceder palavra por palavra, frase por frase, muito lenta e pacientemente. Descobriremos, então, que as aparentes repetições são, na realidade, aspectos novos de uma única e mesma realidade: o amor dedicado à Palavra de Deus. Como este amor jamais pode ter fim, assim também as palavras que o confessam são intermináveis. Elas podem acompanhar-nos por toda a nossa vida e, em sua simplicidade, tornam-se oração da criança, do adulto, do ancião”.
            Palavra de Deus – testemunho a ser guardado de todo o coração. Por isso, Agostinho pergunta: “Se a oração consiste apenas em um exercício vocal, sem que o coração dê sua atenção a Deus, quem poderia duvidar de que está perdendo seu tempo?” E acrescenta: “Se a oração nasce do coração, então, mesmo que a voz se cale, ela pode permanecer desconhecida de todos os homens, mas não de Deus”.
“Quero observar teus estatutos; / não me abandones jamais!” (v. 8). Para corresponder à presença do Senhor, que jamais abandona o fiel, este se aplica a obedecer à Lei que lhe foi dada. E deve fazê-lo “de todo o coração”, sem reservar espaços a outros deuses. Se não fosse próprio de Deus permanecer fiel mesmo quando somos infiéis, eu quase ousaria dizer: a fidelidade provoca a fidelidade...

Orai sem cessar: “De todo o coração, darei graças ao Senhor!” (Sl 111,1)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança

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