Um Evangelho que deveria causar espanto e estupor... Desde a eternidade, o Pai já havia derramado infinitamente sobre o Filho o seu Amor sem medidas. Subitamente, eis que o mesmo Pai ama a tal ponto o mundo que ele havia criado, que entrega à morte seu Filho Bem-amado, nos suplícios extremos da Cruz. E tudo isso para que o homem seja salvo! Como foi que nós conseguimos nos “acostumar” a este anúncio?
É isto que Jesus, no silêncio da noite, tenta revelar a Nicodemos: aquela serpente de bronze da Primeira Aliança - erguida no poste em pleno deserto, para curar da peçonha as serpentes os hebreus que lhe erguessem o olhar - era apenas o protótipo do verdadeiro Salvador, suspenso no madeiro e atraindo a si todos os olhares (cf. Jo 12,32).
Mas este dom sem preço realizado pelo Pai traz consigo a exigência de uma resposta: o assentimento da fé. No clima penitencial desta Quaresma, temos a oportunidade de rever a forma como nós nos representamos o julgamento divino. O comentário é de Hans Urs von Balthasar:
“Eis a declaração decisiva: aquele que despreza o amor de Deus, condena-se a si mesmo. De modo algum Deus teria qualquer interesse em condenar os homens; ele é o puro amor que vai tão longe, que o Pai entrega seu Filho por amor ao mundo. Ele não nos pode dar nada acima disso.
Toda a questão está em saber se nós aceitamos esse amor, de modo que ele possa manifestar-se em nós como eficaz e frutuoso, ou se, diante de sua luz, nós nos escondemos nas trevas. Neste caso, ‘nós odiamos a luz’, odiamos o verdadeiro amor e afirmamos nosso egoísmo de uma ou de outra forma (o amor unicamente sensível é também egoísmo).
E com isso, nós ‘já estamos julgados’. Não por Deus, mas por nós mesmos.”
É a recusa do amor divino que pode condenar alguém. Depois que o Pai revelou seu amor sem medida, nossa eventual recusa não merece perdão. Quem não reconhece a que ponto foi amado, exclui-se da verdade e caminha livremente para o banco dos réus.
Como o próprio Jesus expõe ao visitante noturno, é preciso nascer de novo, no Espírito Santo, para tornar-se sensível a esta impensável oferta de amor. Afinal, como escreve São Paulo, “quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós” (Rm 5,8). Não foi por nenhum mérito de nossa parte, mas pura graça, puro dom.
É do reconhecimento desse Amor sem medidas que nasce a fé. “Reconhecemos o amor de Deus por nós e, então, pudemos crer.” (1Jo 4,18) E só quem nos ama merece nossa confiança.
Daí a conclusão: “Quem não crê já está condenado”. (Jo 3,18)
Orai sem cessar: “O amor de Deus foi derramado em nossos corações.” (Rm 5,5)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
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