Segundo a
profunda imagem proposta pelo teólogo Hans Urs von Balthasar, Maria, a Mãe de
Deus, é “o vaso inesgotável da lembrança e da elucidação”. Maria – “que
guardava todas estas coisas em seu coração” – é uma espécie de memória da
Igreja de Jesus Cristo. Sem ela – a preciosa fonte do “evangelho da infância”
anotado por Lucas – muito teríamos perdido! Fitando-a como num espelho, também
a Igreja recupera em seu coração (= re-corda) o sentido profundo dos
acontecimentos e palavras de Cristo, o significado de cada tempo litúrgico e
suas festas.
Assim, nada
mais adequado que inaugurar o ano com Maria e, à semelhança de uma ninhada que
se aconchega sob as asas da mãe, situar-nos no âmbito de sua dupla maternidade:
Mãe de Deus e Mãe dos homens.
Aliás, uma
das funções típicas das mães consiste em lembrar os filhos de suas tarefas,
deveres e obrigações: - “Meu filho, não se esqueça da lição de casa!” “Não se
esqueça da ração do cachorro!” “Não se esqueça de guardar os brinquedos!”
Ah! Somos
uma Igreja esquecida! Aqui e ali, parece que nossa família vai perdendo a
memória, esse rico depósito – o baú do pai de família – onde permanecem
guardadas as palavras e os gestos de Jesus, os portentos do Senhor em favor de
seu povo, as promessas que chegaram a nós pelos patriarcas e profetas, os
ensinamentos e exortações que devemos aos apóstolos e ao magistério da
Igreja...
Nada se
perdeu, é verdade, mas parece esquecido. Talvez porque estamos vivemos na
casca, na epiderme do ser, na periferia do real, e já não descemos ao íntimo de
nós mesmos, onde o Espírito Santo [... “Ele vos recordará tudo...” – Jo 14,26]
mantém viva a memória de Cristo.
Assim, neste
primeiro dia do ano, é para a Virgem Maria que a Igreja se volta com devoção e
esperança, a fim de reaprender com ela esse magnífico dom de ouvir, acolher e
guardar no coração. Sem ele, nos esvaziamos do essencial e nos desviamos do
Caminho. Sem ele, damos ouvido a palavras enganosas, ilusões mortais, trocando
a fonte de água viva por vasos trincados, onde a Graça não permanece...
No texto
grego de São Lucas, a frase que traduzimos por “todas estas coisas” é tà rémata tauta , onde o termo rémata significa
ao mesmo tempo “palavra” e “coisa já realizada”, pois quando Deus fala, já
acontece.
No primeiro
dia do ano, peçamos a intercessão da Mãe de Deus para que sejamos curados de
nossa falta de memória, essa amnésia espiritual que transforma em mendigos
aqueles que podem viver como filhos de Deus...
Orai sem cessar: “Recordo teu nome no decorrer da noite, Senhor!” (Sl 119,55)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova
Aliança.
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