Deixando o pai... (Mc 1,14-20)
Entre os
valores principais dos grupos humanos, destaca-se, sem dúvida, a relação entre
pais e filhos. Basta lembrar que ela foi objeto de um dos mandamentos divinos:
“Honrarás teu pai e tua mãe” (Dt 5,16). É exatamente a única das “dez palavras”
que trazem anexa a dupla promessa da longevidade e da felicidade sobre a terra,
o que lhe dá especial relevância.
Deste
vínculo entre pais e filhos nascem outros valores derivados, igualmente
importantes, como os conceitos universais de herança, laços de sangue, coesão
do clã e da tribo, linhagem e descendência, entre outros não menos
significativos, conservados ao longo dos séculos pelos mais diversos grupos
humanos.
Ora, este
Evangelho tem no seu âmago nada menos que a áspera ruptura do vínculo pai X
filho, colocado em segundo plano diante do chamado de Jesus aos dois futuros
apóstolos. A ruptura pode ser acentuada se, ao lado do velho pai, incluímos o
abandono da barca e do mar.
O “mar” – na
verdade o Lago de Tiberíades, promovido a mar em uma região de águas não muito
abundantes – era o espaço de onde a família extraía o sustento. A barca era o
instrumento que lhes garantia o pão de cada dia. Mar, barca, pai – três
realidades que mereceriam ser incluídas na categoria do “indispensável”. Pois
foi delas que os dois filhos pescadores abriram mão para aceder ao chamado do
Mestre.
Absurdo?
Não. Trata-se de uma hierarquia de valores. Existiria, então, um valor mais
alto que a filiação humana? Claro que sim: a filiação divina. Se Jesus Cristo
não fosse o Filho de Deus, convocando homens para a edificação do Reino do Pai,
aquela ruptura seria de fato absurda. Mas era um chamado divino!
Bem, não
exageremos. Muitos filhos rompem vínculos com pai e mãe por outros motivos
igualmente “nobres”: estudar no estrangeiro, trabalhar em terras distantes ou,
simplesmente, casar-se e ter a própria família. Todas estas rupturas nos
parecem... naturais...
Quando Deus
chama, porém, e a jovem acolhe o chamado e vai para o claustro, sempre surge
alguém afirmando que a velha mãe precisava dela. Se o jovem abandona o curso de
engenharia para entrar em uma comunidade missionária, ouvem-se vozes para
clamar que ele enlouqueceu...
Pedro e
André – personagens deste Evangelho – teriam ficado loucos? Teriam jogado no
lixo a veneração e a gratidão merecida pelo pai Zebedeu? Ou foi impossível
resistir à imperiosa sedução exercida por Jesus de Nazaré? Não respondam
rápido. Não façam pouco do magnetismo apaixonante que Jesus exerce sobre almas
e corações...
Basta
lembrar a lição do Senhor: “Quem põe a mão no arado e olha para trás, não está
apto para o Reino de Deus”. (Lc 9,62)
Orai sem cessar: “Onde
está o teu tesouro, aí está o teu coração.” (Mt 6,21)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova
Aliança.
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