Enquanto
escrevo esta reflexão, tenho diante dos olhos o ícone da Transfiguração. No
alto da montanha inteiramente inundada pela Luz divina, revestido de inigualável
alvura, envolvido por círculos concêntricos em matizes de azul, o Cristo
Senhor.
No
dia-a-dia da planície, da oficina de Nazaré às esquinas de Cafarnaum, os homens
viam apenas o “filho do carpinteiro”. Agora, não! Tendo a seu lado por
testemunhas Moisés (a antiga Lei) e Elias (a profecia da Primeira Aliança), o
que se pode ver é o próprio Filho de Deus. Nem precisaríamos da voz que desce
da nuvem a identificá-lo – como já o fizera em seu batismo no Jordão: “Eis o
meu Filho muito amado... Ouvi-o!”
Na
base do ícone, prostrados por terra, vencidos pelo temor (Mt 17,6) ou pelo sono
(Lc 9,32), vejo Pedro, Tiago e João. Que será que eles temem? Por que preferem
dormir?
Certamente
o sono será mais cômodo que ouvir a conversa entre Jesus, Moisés e Elias, pois
falam exatamente sobre “a morte de Jesus” (cf. Lc 9,31). Ora, esta experiência
de testemunhas oculares da glória do Tabor deveria servir-lhes de vacina para a
próxima experiência da outra montanha: o Calvário. Mas eles dormem...
No
final, Pedro sugere que permaneçam lá no alto, onde armaria três tendas para os
três personagens. E a palavra “tenda” não pode deixar de ser associada ao
Prólogo do Evangelho de João (cf. Jo 1,14), onde lemos que o Verbo “fez sua
tenda” [eskénosen], “acampou entre
nós”.
Menos
mal que as tendas são a morada dos nômades, dos pastores que se deslocam
permanentemente em busca do pasto para seus rebanhos. O próprio Paulo –
fabricante de tendas! – nos lembraria que não temos, aqui na terra, morada
permanente, mas habitamos apenas tendas provisórias (2Cor 5,1-2).
Por
tudo isso, a sugestão de Simão Pedro não foi acolhida. Após a glória do Tabor,
é preciso descer ao encontro dos homens, atravessar a penumbra de suas cidades,
anunciar a Boa Nova. E enquanto perdura esta missão, não teremos o luxo de
descansar na montanha luminosa.
Sem
esquecer, todavia, que a boa notícia que temos a dar passa necessariamente pela
cruz...
Orai sem cessar: “O Senhor é minha luz e minha
salvação!” (Sl 27,1)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova
Aliança.
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