Uma cena doméstica. Jesus visita os amigos de Betânia, nas encostas de
Jerusalém: Lázaro, Marta e Maria. A tradição de hospitalidade oriental incluía
três gestos (cf. Lc 7,44-46): o ósculo de boas-vindas, a lavagem dos pés do
visitante (geralmente feita por um escravo ou servidor) e a unção dos cabelos
com óleo perfumado.
Imprevistamente, porém, a própria Maria põe-se a ungir os pés de
Jesus. E o faz com um frasco de nardo, caríssimo aroma importado da Índia. Um
“desperdício” que faz cintilar os olhos de Judas Iscariotes, expert em contabilidade: “Por que não se
vendeu por 300 denários para dar aos pobres?” Ou seja, o equivalente a 300 dias
de trabalho de um operário da época!
Olhos profanos veriam a irmã de Lázaro no papel de um escravo. Os
olhos de Jesus percebem o amor latente no gesto da mulher. “A vocação
fundamental do discípulo é a de servir”, diz Claude Rault, Bispo do Saara
argelino. “Não como escravo, mas servir por amor à humanidade, apaixonado por
ela. Esta é a condição de servidor que Jesus escolheu para viver desde o início
de sua missão.”
Bem que o Inimigo tentou desviá-lo desse caminho, oferecendo-lhe os
atalhos da autossuficiência, da glória e do poder (cf. Mt 4). Mas Jesus se
manteve todo o tempo como aquele que serve: curando o enfermo, tocando os
intocáveis, anunciando o amor do Pai e, afinal, dando o próprio sangue para nos
salvar.
Isto, sim, é desperdício! Ele não derramou perfumes, derramou seu
sangue. Doou sua vida, nada guardou para si. Por isso mesmo, ele soube acolher
o gesto inesperado de Maria que parecia transpor os limites do bom senso.
Aliás, se existe uma coisa que os apaixonados desconhecem, é
exatamente o tal bom senso. As coisas ponderadas. Os passos calculados. A
censura prévia. O amor mergulha, salta no escuro, se entrega. Amor sem
medidas...
Mas todo gesto de amor tem consequências. Como registra o evangelista
João, “toda a casa ficou cheia do perfume”. Sim, o amor irradia, se espalha,
comunica. Mesmo depois que o convidado se retirasse, a casa permaneceria
marcada pela fragrância do nardo. Uma casa vazia de amor acaba cheirando mal.
Ao contrário, se o amor se põe a serviço, percebe-se no ar.
De volta ao Evangelho, Jesus soube dar
sentido pascal ao gesto de Maria: “É para o dia de meu sepultamento que ela
guardou o perfume”. Logo a seguir, Jesus será preso, crucificado e morto. O
amor de Maria já o preparou para o sepulcro...
Como podemos encher a nossa casa?
Orai sem cessar: “O odor dos
teus perfumes supera todos os aromas!” (Ct 4,10)
Texto de Antônio Carlos Santini,
da Comunidade Católica Nova Aliança.
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