Não o jogarei fora... (Jo 6,35-40)
Em outros tempos, o artesão
trabalhava em sua oficina, gastando tempo e suor, para transformar a matéria em
ferramenta. Madeira, argila ou metal eram manipulados com arte e engenho para
chamar à existência um móvel, um cântaro, um facão. O novo objeto era
incorporado aos bens do dono e, salvo algum acidente, iria acompanhá-lo até a
morte. Estabelecia-se uma relação de posse estável e definitiva. Se fosse uma
encomenda, o objeto podia trazer a “marca” de seu fabricante, como no célebre
broche que nos chegou do Império Romano, gravado em latim arcaico: “Manios
med fefaked Numasioi”. [Numério fez
esta fíbula para mim.]
Deus não mudou de hábitos. Deus
não sabe descartar. Por isso Jesus afirma: “Aquele que vem a mim, eu não o
jogarei fora”. Por que não levamos a sério as palavras de Jesus?
Penso na mãe preocupada com os
descaminhos do filho. Penso na esposa ferida pelos erros do marido. Penso na
Igreja humilhada pelos pecados dos sacerdotes. E a cada pensamento, repercute
no fundo de meu ser a palavra de Jesus: “Não o jogarei fora!”
Pessoas não são objetos. Amigos
não são descartáveis. Uma só alma tem valor de eternidade. Jesus morreria de
novo apenas por meu pecado pessoal. Ele dá a vida para nos salvar. Nem de longe
podemos imaginar de que recursos Deus dispõe para dinamitar nossas culpas e
absorver nossa poluição espiritual...
Um estreito conceito de justiça
humana insiste em acorrentar o Amor divino a nossos critérios penitenciários.
“Errou, tem de pagar!” “Não faz isso, que Deus castiga!” “Deus é meu vingador!”
A fé que brota dos Evangelhos
deve ser capaz de superar as medidas mesquinhas que transformam o pecador e o
criminoso em alvos de nosso ódio. Como conciliar os Evangelhos com a noção de
vingança? Leio Maurice Zundel: “A fé não pode nos encerrar em um pequeno
círculo, mas deve desembaraçar-nos de todos os limites de nossa inteligência. A
fé é muito menos um conhecimento que uma simpatia, é um olhar que nos faz
mergulhar na vida de Deus, assim como na vida daqueles que amamos”.
Nós somos criaturas de Deus. No
batismo do fogo, recebemos sua “marca”. Não hesito em dizer que ele nos criou
com amor e suor, o divino Artesão. Seu Filho nos salvou com sangue e suor. O
Espírito Santo continua “suando” sua luz para iluminar a noite escura de nossos
corações. Depois de tanto esforço, Deus nos jogaria no lixo?
Orai
sem cessar: “Guarda-me, Senhor, à sombra de tuas asas!”
(Sl 17,8)
Texto
de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
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