Muitos se
retiraram... (Jo
6,60-69)
Terrível mistério
a liberdade humana! Tomar consciência da própria liberdade é uma experiência
vertiginosa. Um passo a mais, e caímos no abismo da autodeterminação, da recusa
do Pai, da soberba, enfim. A mesma tentação primordial de “ser como deuses” (Gn
3,5) que arrastou nossos primeiros pais.
Em nossa religião
– isto é, nossa “relação com Deus” - a natureza humana está sempre predisposta
a buscar um “deus” ao nosso gosto. É a religião self-service. Temos nosso próprio conceito, nosso próprio modelo,
ao qual a divindade se deveria adaptar. Se estamos enfermos, buscamos
Esculápio, o “deus-que-cura”. Se passamos aperto financeiro, buscamos Mammon ou
Moneta, o deus-dinheiro. Se queremos prazer, namoramos Eros e Afrodite. Temos
todo um panteão à nossa disposição.
Aí, vem o
verdadeiro Deus e nos convida a abraçar a cruz, caso queiramos segui-lo.
Devemos abrir mão de nossos sonhos e vaidades, projetos de poder e conquista,
jogando no lixo do tempo as ilusões que nos desviam da Verdade. É quando nos
decepcionamos com Deus e saímos em busca do ídolo que estiver de plantão...
No Evangelho de
hoje, Jesus decepciona bom número de seus seguidores. São judeus, afeitos a um
estrito código alimentar com raízes no Levítico. Não é qualquer carne que se
pode comer! E o Rabi da Galileia vem com uma estranha história de comer sua
carne e beber o seu sangue?! Ora, sim, senhor... Antropofagia, não!
Apenas um caso,
entre outros, de má vontade para entender o sentido espiritual das propostas
divinas. Assim como nós também recusamos o “não matarás” e aprovamos o aborto
ou defendemos a pena de morte (para os outros, é claro!). Assim como insistimos
em separar do bolo aqueles que “merecem” ser nosso próximo, excluindo todos os
párias da sociedade, como se não fossem nossos irmãos... Fazemos vista grossa
para as realidades espirituais (como o valor sublime da vida humana) e nos atrelamos
aos aspectos da vida material, como garantir segurança e evitar incômodos.
Não deixa de ser
irônico: exatamente quando Jesus anuncia que será nosso Pão de eternidade,
entregando-se a nós como alimento, é ali que ele vem a perder a maioria de seus
seguidores! Do mesmo modo, quando os discípulos perceberem que o Mestre não
fugirá da cruz, fugirão dele...
E nós? Também
queremos abandoná-lo?
Orai sem cessar: “Basta-te
a minha graça!” (2Cor
12,9)
Texto
de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
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