Jesus deu graças... (Jo 6,1-15)
É preciso contemplar as
narrativas do Evangelho com mais demora, mais atenção. Afeitos à linguagem
televisiva, que bombardeia nosso olhar com imagens que não duram 3 segundos,
vamos perdendo a capacidade de contemplar. Ficamos na casca das coisas...
Nesta narrativa da multiplicação
dos pães, distraídos com as quantidades e os impossíveis, deixamos de gravar um
gesto de Jesus: ao tomar nas mãos os poucos pães, Jesus “dá graças”. No texto
grego original do evangelista João, “eucharistésas”,
um verbo com o mesmo radical de “Eucaristia”.
E por que motivo Jesus dá graças?
Por cinco humildes pães de cevada (cf. Jo 6,9). Só isto?! Só isto... Então,
vamos esquecer o milagre que viria depois, os doze cestos de sobras, o espanto
geral. Vamos deter-nos no detalhe que passa batido: na raiz do fenômeno, uma
“ação de graças”.
Ora, nós talvez déssemos graças a
Deus pela cura do câncer, pelo salvamento de um naufrágio, pelo prêmio da
loteria. São coisas grandes! Situações que dão manchete. Mas dar graças por uma
ninharia dessas?!
Aí está: perdemos a capacidade de
agradecer pelo pouco. Pelo comum. Pelo trivial. Ou - para usar uma expressão do
Evangelho – pelo pão de cada dia. Aqueles dons de todo dia não merecem nossa
gratidão.
E quais são eles? A luz do sol...
o ar que respiramos... a água da torneira... o beijo da mãe... o abraço do
pai... a presença dos amigos... o emprego que ainda temos... o cafezinho do
intervalo... o sorriso da recepcionista...
Todos estes pequenos milagres
passam por nós como se fosse direitos adquiridos. Perderam o seu rosto de
“dom”. Não há por que agradecer... Se fosse algo maior, mais caro, mais
sensacional, talvez agradecêssemos. E sob a pele da ingratidão, a falta de fé!
Aprendi com Claude Rault que há
dois tipos de fé: uma que brota dos sinais e outra que nasce da Palavra. A
primeira é instável e imperfeita: quando o sinal falta ou não é bem traduzido,
corre o risco de naufragar. A outra – que germina com a Palavra acolhida – é a
fé que chegou ao cume da maturidade. Daí, a afirmação de Jesus: “Felizes os que
creram sem ter visto!” (Jo 20,29) Bastou a Palavra para alicerçar a fé...
Pode ser que ainda esperamos de
Deus um grande milagre, algo impossível às limitações da condição humana.
Enquanto isso, não agradecemos os pequenos milagres de cada dia...
Orai
sem cessar: “Entoai ação de graças ao Senhor!” (Sl 147,7)
Texto
de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
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