O Evangelho não é a “Comédia” de
Dante Alighieri. Nele não se lê a frase ameaçadora: “Deixai toda esperança, ó
vós que entrais!” Mesmo esta parábola da rede, que anuncia uma “separação”
entre bons e maus no fim dos tempos, não pode ser entendida como ameaça divina
Claro, serve bem de alerta geral.
Como ensina São Gregório Magno, “todas estas coisas se dizem para que ninguém
possa desculpar-se baseado em sua ignorância, que unicamente teria lugar se se
tivesse falado com ambiguidade sobre o suplício eterno” (In Evangelia homiliae, 11).
Como lembra Joachim Jeremias, o
último dia ainda não chegou. “Ainda não ocorreu o último prazo para a conversão
(cf. Lc 13, 6-9). Até lá, é preciso renunciar a todo falso zelo, deixar
pacientemente os campos amadurecerem, lançar largamente a rede e deixar o resto
para Deus – até que venha a sua hora.”
Muita gente – mesmo dentro da
Igreja! – se comporta como se uma espécie de determinismo tivesse cristalizado
o pecador em seu pecado, seja ele um assassino, um estuprador ou um deputado
corrupto. O Evangelho só faz sentido na expectativa da conversão do homem.
Se a rede da parábola recolhe peixes
bons e peixes imprestáveis, isto não significa que o bom é automaticamente bom,
nem que o mau é definitivamente mau. Aliás, o exemplo do ladrão (rotulado
preconceituosamente de “bom ladrão”, como se todos os outros não prestassem...)
demonstra que o homem mau pode ser justificado pelo amor de Deus.
Comentando o Juízo Final – que nós
insistimos em ver como um ato final da fria vingança divina -, F.-X. Durrwell
se coloca no polo oposto: “O julgamento é uma obra de amor. É amando que Deus
julga. Jesus vai ao encontro do agonizante e o julga, em sua própria morte, em
favor desse mesmo moribundo. Ele é o advogado (cf. 1Jo 2,1) daquele que julga,
seu intercessor junto de Deus. No último encontro com esse homem, Cristo exerce
sua justiça purificando-o com seu sangue, caso o homem consinta”.
Von Balthasar também nos anima, ao
dizer que “por trás dessa separação, a oportunidade única, encontra-se a séria
advertência para não a negligenciar. Trata-se de ganhar ou perder todo o
sentido da existência humana”.
Desde já, vamos escolher que tipo de
peixe queremos ser para Deus...
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