Por cima das águas... (Mt 14,22-36)
Descendemos de Adão, aquele que foi
modelado da argila da terra. Homem, humano, venho do húmus. Só nos sentimos
seguros em terra firme. A água assusta, o mar profundo é imagem da morte.
No Evangelho de hoje, ao ver que
Jesus caminhava sobre as ondas do lago encapelado, Pedro ousa pedir: “Senhor,
se és tu, manda-me ir ter contigo por cima das águas”. É óbvio que o velho
pescador sabia muito bem que pedia algo impossível aos homens, mas possível a
Deus. Só Deus tinha domínio sobre os elementos: o mesmo que manda a chuva,
caminha sobre o mar.
E o Filho de Deus faz o jogo de
Simão Pedro: “Vem!” Ao mesmo tempo, pede-lhe um ato de fé e um salto no escuro.
Pedro salta e começa a andar, superando os limites de sua humanidade. Mas o
vendaval redobra seu estrépito e o discípulo se deixa intimidar. Afundando, pede:
“Salva-me, Senhor!”
Aqui estamos diante de um grande
mistério: ainda que o poder de Deus esteja de nosso lado, como um vento a
favor, o Senhor conta com uma resposta de fé de nossa parte. Se perdemos a
confiança, é como se impedíssemos que a graça divina continuasse a nos
sustentar.
De fato, podemos cair em dois
extremos: de um lado, apostar apenas em nossos dons e capacidades humanos; de
outro, duvidar até mesmo do poder de Deus posto ao nosso alcance. Soberba e
desconfiança – duas maneiras de afundar...
O caminho de salvação se resume
exatamente em desconfiar de nós mesmos e em apostar todas as fichas no amor que
o Senhor derrama sobre nós. Como escreveu o apóstolo Paulo, “quando sou fraco,
aí é que sou forte”. (2Cor 12,10.) De fato, Deus se compraz em agir por meio de
instrumentos frágeis e deficientes, como declarou o Papa Bento XVI ao subir à
cadeira de Pedro. Ao contrário, quando um de nós se gloria de suas próprias
realizações, como se elas fossem devidas apenas a nosso esforço, inteligência e
heroísmo, não demora a ruir o nosso castelo de areia...
A vida é como o mar. O trabalho, a
família, a Igreja nos oferecem constantes tempestades. Confiaremos no Deus
forte? Ou insistiremos em nos apoiar sobre nossas falsas seguranças?
Orai sem
cessar: “Salva-me,
ó Deus: a água me chega até a garganta!”
(Salmo 69,2)
Texto de
Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
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