Os cachorrinhos também comem... (Mt 15,21-28)
Para escrever um Evangelho como
este, o evangelista precisou converter-se. Afinal de contas, os judeus eram,
orgulhosamente, o “povo escolhido”. O único povo que Deus chamara a cultuá-lo
de modo especial. O resto? Bem, os estrangeiros (os goim) eram os cães...
O termo pejorativo e ofensivo se aplicava
até mesmo aos soldados romanos que dominavam a Palestina imperial. Não havia
escolha: ser judeu ou... o resto.
Pois é do mundo “de fora”, do mundo
“sujo”, que surge esta mulher admirável. Vinha da antiga Fenícia, o litoral a
oeste de Israel, onde Tiro e Sídon haviam acumulado os frutos do comércio
internacional. A indústria da púrpura – corante extraído de um molusco
abundante nas águas do Mediterrâneo – cobrira as praias de toneladas de
carapaças malcheirosas, que acentuavam ainda mais a “impureza” ritual desses
estrangeiros.
Quando a mulher se dirige a Jesus,
sabe que está ultrapassando um limiar praticamente intransponível: as barreiras
do preconceito. Pede pela libertação de sua filhinha, acossada pelo demônio.
Num primeiro momento, Jesus se recusa, pois “o pão era apenas para os filhos”.
A mulher insiste, com um misto de humildade e sabedoria: sabendo que não
pertence ao povo escolhido, ela não pretende de modo algum o pão dos filhos.
Quer apenas as sobras. As migalhas que caem da mesa – isto é o que ela pede
para seu filhote.
Caem também as defesas do Mestre:
“Mulher, grande é a tua fé! Seja conforme queres!” E de pronto a menina fica
livre de seu mal.
Temos aqui uma lição para nossa vida
prática? Somos cachorrinhos? Ou somos filhos, pelo Batismo? Se mesmo os
cãezinhos acabam por receber alguma atenção do Senhor, que dizer de nós –
convidados para o banquete da Eucaristia?
Aliás, cabem outras perguntas: sou
frequente à mesa do Senhor? Dou valor a esse festim diariamente preparado para
os filhos? Ou ando meio enfastiado, intoxicado por alimentos estranhos?
Seria terrível viver subnutrido,
morrer de inanição, tornar-me pasto de demônios, quando o Pão de Vida me é
oferecido por Cristo, todos os dias de minha vida!
Orai sem
cessar: “Senhor,
dá-nos sempre desse Pão!” (Jo 6,34)
Texto de
Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
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