Por causa da multidão... (Lc 8,19-21)
Deixo
de lado o aspecto central deste Evangelho. Fiquemos em um detalhe: Maria e os
“irmãos” de Jesus procuram por ele, mas não podem fazer contato “por causa da
multidão”...
Se
utilizamos o método “alegórico” – tão ao gosto dos Padres da Igreja primitiva –
podemos ver a “multidão” como um obstáculo entre Jesus e aqueles que pretendem
encontrá-lo. A multidão é ruidosa e tende ao caos. Quem conhece o burburinho de
uma feira popular sabe que ali não é o melhor lugar para um encontro íntimo e
profundo. A multidão distrai: a cacofonia dos pregões, os veículos que buzinam,
o colorido das mercadorias, o perfume das flores e das frutas – tudo ocupa e
desvia os sentidos humanos. É impossível não lembrar a Canção III do Cântico
Espiritual, de São João da Cruz:
Buscando
meus amores,
Irei por
estes montes e ribeiras;
Não
colherei as flores,
Nem
temerei as feras,
E passarei
os fortes e fronteiras.
“Não colher
as flores” – é o próprio Autor quem interpreta – significa abrir mão dos
contentamentos e deleites que se apresentam em nossa vida, e que se tornam
obstáculos, impedindo que passemos adiante para o encontro com o Senhor. Eles
ocupam o coração, impedem o despojamento e a liberdade para caminhar em busca
do verdadeiro amor.
Assim
é a multidão, com seus atrativos. Da multidão vêm os aplausos (quando temos
sucesso material) e os apupos (se seguimos o Evangelho). É a turba que acena
com seus “produtos”, tornados indispensáveis pela propaganda que induz ao
consumismo. A multidão é a dona da “opinião pública” – o IBOPE -, que impõe a
todos a sua ditadura, a ponto de exigir verdadeiro heroísmo de quem pretende
ser autêntico e seguir seu próprio caminho.
O
contrário da multidão é o deserto. Ali Jesus se recolheu, em jejum e oração,
preparando-se para vencer a tríplice tentação. O contrário da multidão é a
montanha, aonde Jesus sobe para ouvir o Pai e realizar o difícil discernimento.
O contrário da multidão é o Calvário, onde Jesus entrega sua vida, acompanhado
apenas por João e umas poucas mulheres...
Queremos
encontrar Jesus? Onde? No deserto ou na multidão?
Orai sem cessar: “O Senhor me erguerá sobre um rochedo!” (Sl
27,5)
Texto de Antônio Carlos Santini,
da Comunidade Católica Nova Aliança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário