Filho de Adão, Filho de Deus... (Lc 3,23-38)
Eis um
Evangelho que costuma assustar muitos leitores: ele apresentauma lista de nomes
um tanto estranhos, com a ousada intenção de ligar o José de Nazaré ao Adão do
Éden. Diferente de São Mateus, cujo Evangelho parte de Abraão até José, o
evangelista Lucas – que escrevia para comunidades cristãs de origem gentia –
estende a lista até o primeiro Adão, para demonstrar que a redenção trazida por
Jesus incluía toda a humanidade, em uma visão universalista.
Notável a
acuidade de São Gregório Magno, Papa, em uma de suas cartas, quando ele observa:
“São Lucas, percorrendo em sentido inverso a ordem dos descendentes, chega ao
começo do gênero humano, para mostrar que o primeiro e o último Adão têm a
mesma natureza”.
Claro, o
primeiro Adão foi o primeiro homem, que cooperou desastradamente para nossa
degeneração; o último Adão foi Jesus, iniciador de um gênero humano regenerado.
Entre os dois, uma natureza comum: nossa humanidade. É o suficiente para
refutar as heresias que viam em Jesus apenas uma aparência humana, como entre
os docetistas. O suficiente para fazer palpável a mais profunda solidariedade
entre o Cordeiro sem mancha e os homens imersos no pecado.
Ninguém se
espante, pois, se notar que entre os nomes listados nesta genealogia figuram lado
a lado o trapaceiro Jacó e o adúltero Davi, pois o que está em questão é a
irrupção do Filho de Deus na história e na cultura dos homens, com tudo o que
ali se registra de luminoso e de tenebroso. Afinal, foi exatamente para um povo
que andava nas trevas que se manifestou uma grande luz (cf. Is 9,1).
Esta
genealogia lucana termina secamente: Jesus é “filho de Adão, filho de Deus”.
Nascendo de mulher, é homem, filho de Adão. Entretanto, como não tem um pai
humano, ele é também o Filho de Deus. Eis a base para a doutrina sobre Jesus,
objeto da fé da Igreja desde os primórdios: uma Pessoa com duas naturezas, a
divina, preexistente, e a humana, assumida na Encarnação.
Aliás, nos
Evangelhos, quando fala de si mesmo, Jesus Cristo se compraz em apresentar-se como
“o Filho do Homem”. Aquele que ergueu a sua tenda no meio de nós (cf. Jo 1,14) e
sempre demonstrou que estava à vontade em nossa companhia. E exatamente por ter
ele experimentado a nossa condição, é sempre sem limites a sua misericórdia
para conosco (cf. Hb 2,14-18).
Fica fácil
extrair a lição deste Evangelho: desde a Encarnação do Verbo, nós e o Filho de
Deus pertencemos à mesma família.
Orai sem cessar: “Tu és meu filho, eu hoje te gerei!” (Sl 2,7)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova
Aliança
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