Eis a escrava
do Senhor... (Lc 1,26-38)
Na
celebração da Anunciação do Senhor, nove meses antes do Natal, a sagrada liturgia
da Igreja traz à nossa memória o momento da Encarnação do Filho de Jesus. Deus
pede a cooperação da Mulher para que o Filho, o Verbo Eterno, possa assumir a
natureza humana para nossa salvação. Artistas de todas as épocas se inspiraram
nesta passagem de Lucas para suas pinturas, ícones, mosaicos, tapeçarias, peças
musicais etc. Ali aparecem frente a frente o Anjo Gabriel e a Virgem Maria.
Ele, em nome de Deus. Ela, em nome da humanidade. Ele, espírito celeste. Ela,
filha de Adão, o terroso.
Gabriel traz
uma proposta: ser a mãe do Messias prometido. Maria dá a resposta: “Eis aqui a
escrava do Senhor!” Algumas traduções optam por “serva”, mas não é o que está no
texto latino de S. Jerônimo [ancilla Domini] nem no grego de São Lucas [doúle
kyriou]. A palavra “serva” faz pensar em uma empregadinha doméstica, com
avental e dragonas nos ombros, com carteira assinada e direitos trabalhistas.
Ora, escrava é outra coisa!
A
resposta de Maria de Nazaré tem um sentido existencial que toca o profundo de
seu ser. É como se Maria dissesse: “Se você acaba de me revelar qual é o
desígnio de Deus a meu respeito, quem sou para ter vontade própria e escolher
diferentemente? Abro mão, livremente, de minha vontade para aderir de modo
pleno àquilo que o Senhor me diz. Deixo de lado qualquer projeto pessoal, pois
Deus me diz o que fazer.”
Este é o
alcance da palavra “escrava”: aquela que vive a obediência pronta e
incondicional, sem levar em conta possíveis prejuízos pessoais. Não se veja
nisto uma forma de humilhação, pois os escravos sempre se orgulharam de servir
a senhores distintos e merecedores de honra. E ninguém é mais digno de honra
que o Senhor!
O
Salmo 123 retrata fielmente a atenção dos escravos, prontos à obediência e ao
serviço: “Como os olhos dos escravos para a mão dos seus amos, / e os olhos
de uma escrava para a mão de sua dona, / assim nossos olhos estão voltados para
o Senhor, nosso Deus...” (Sl 123,2.) Em geral, os escravos vinham de outros
povos, presas de guerra ou adquiridos de mercadores; por isso mesmo, não
entendiam o idioma do patrão e deviam prestar atenção às ordens dadas por
gestos das mãos e indicação dos dedos. Olhar a mão do dono mostra a utilidade e
prontidão do escravo.
Sei
que a simples palavra “escravo” provoca alergias. E que muitos preferem um
“deus” que lhes preste serviços, qual gênio da lâmpada. Mas não é assim com a
Toda Santa: cheia do Espírito, ela sabe que não há maior glória que servir a
Deus...
Orai sem cessar: “Meu
Deus, quero fazer o que te agrada!” (Sl 40,9)
Texto de Antônio Carlos Santini,
da Comunidade Católica Nova Aliança.
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