De todo o coração... (Mc 12,28b-34)
Todo Evangelho interpela e incomoda.
Mas esta passagem pode ser mais incômoda que as outras: amar ao próximo com um
amor inseparável do amor a Deus...
Uma forma comum de tentar escapulir
ao mandamento áspero consiste em delimitar o “próximo”, como tanto se discutiu
entre os mestres da Lei: quem é o meu próximo? Só os membros do meu clã?
Somente os outros israelitas? Os vizinhos incômodos estão incluídos? Os
estrangeiros idólatras? A quem eu posso excluir da condição de meu “próximo”?
Vem Jesus de Nazaré e pisa em nosso
calo: amar a Deus de todo o coração é inseparável de amar ao próximo como a mim
mesmo. Os dois amores se harmonizam e se completam. A falta de um desses amores
nega a existência do outro que faz o par com ele.
Comenta o biblista Hébert Roux: “O
que confere ao mandamento sua autoridade e sua grandeza, é o fato de que Jesus
o pronuncia e o designa como ‘grande’. Ele não traz um mandamento novo, mas
confere ao mandamento antigo o seu verdadeiro valor. A resposta de Jesus não é
a de um mestre da Lei. É ele quem a promulga e é nele que o mandamento se
cumpre (cf. Mt 5,17). É este cumprimento da Lei por Jesus que lhe dá sua
verdadeira novidade (cf. Jo 13,34).
O amor a Deus e o amor ao próximo
não são simplesmente atitudes comandadas; eles se encarnam na pessoa do próprio
Jesus. É exatamente porque ele veio cumprir, por sua vida, sua morte e
ressurreição, a Lei e os Profetas, que ele pode declarar com autoridade que
todo o conteúdo da Antiga Aliança está ‘apenso’ ao mandamento de amar a Deus e
a seu próximo. É nele que não apenas a Lei, sob a forma de um mandamento, mas
também a promessa da graça, anunciada pelos Profetas, encontra a sua única
realização.”
Com a parábola do “samaritano” (cf.
Lc 10,29ss), Jesus demonstrou de maneira cabal que meu próximo é aquele de quem
eu me aproximo, ainda que existisse uma barreira de ódio secular entre um judeu
(o ferido) e um samaritano (aquele que cuidou do ferido). Pena que tenhamos
batizado a narrativa como parábola “do bom samaritano”, como se este fosse uma
exceção em um mundo de “maus samaritanos”...
Hoje, quando o ódio permanece vivo,
temos espaço para exercer o amor.
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