Infelizes de vós! (Mt 23,13-22)
No Sermão da
Montanha (Mt 5,1-11), Jesus pronunciou nove bem-aventuranças, isto é, nove
anúncios de ventura e felicidade para certos tipos de pessoas, uma autêntica
“receita de felicidade”. Entretanto, até onde eu entendo, muita gente não
gostou dessas bem-aventuranças, em que o Mestre elogia os pobres, os
perseguidos, os que choram. Parece que a noção terrena de felicidade deve
incluir riqueza, aplausos e muitas gargalhadas...
Desta vez,
Jesus se volta para o polo oposto e emite sete “mal-aventuranças”, até para
deixar claro que o Deus misericordioso não fica neutro e indiferente diante do
mal. O foco destas “maldições” recai sobre a falta de correspondência entre uma
religião exterior, fingida, e uma vida interior que desmente toda a aparência
de justiça. Este descompasso entre intenção e gesto é conhecido como “hipocrisia”.
Nas cidades
helenizadas da Galileia, ainda no tempo de Jesus, havia arenas onde os atores
representavam seus papéis com o rosto coberto por máscaras. Esta é a etimologia
da palavra “hipócrita” = aquele que está sob a máscara. É claro que o ator
podia estar usando a máscara cômica e, no fundo de seu ser, estar triste. Ou
estar chorando por fora, graças à máscara trágica em seu rosto, sem sentir
nenhuma dor, nenhum “pathos” interior.
Só que o
culto a Deus não pode ser um teatro. Neste Evangelho, Jesus verbera aquelas lideranças
religiosas de seu tempo que exibem uma prática externa de religiosidade, mas o
íntimo delas cheira mal pelo pecado e pela mentira.
Assim
comenta Hébert Roux esta passagem do Evangelho de Mateus:
“Toda a verdade e autoridade destas
palavras brotam do fato de que elas são pronunciadas pela própria boca daquele
que fez ouvir o Sermão da Montanha. Jesus vem como Rei do Reino dos céus,
proclamando pessoalmente a Boa Nova, e vem também como Juiz supremo dos vivos e
dos mortos, a pronunciar a condenação de toda pretensão dos homens a serem
justos fora da Sua justiça.”
Para H. Roux, Jesus não tem a
intenção de provocar um “retorno” dos escribas e fariseus, pois eles já
perderam a oportunidade de acolher o Messias. Chega a hora em que as “intenções
e ações secretas” (cf. Rm 2,16) serão julgadas por Jesus Cristo. Assim, “por
antecipação – afirma Roux -, estamos assistindo de algum modo ao juízo final, à
revelação daquilo que estivera oculto até o presente”.
O Evangelho tem esta faculdade:
revelar a verdade e, com a palavra-espada, cortar bem na linha divisória entre
a verdade e a mentira. A ruína total de Jerusalém, sob o impacto das legiões
romanas no ano 70, apenas viria a confirmar a urgência desse julgamento.
E nós? Vamos
esperar pelo juízo final para abandonar a mentira e abraçar a Verdade?
Orai sem cessar: “Escolhi o caminho da verdade!” (Sl 119,30)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova
Aliança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário