O Senhor se inclina...
(Sl 113 [112])
Na
mitologia clássica, os deuses gregos e romanos habitavam as altitudes do Olimpo
e – para empregar uma expressão nada acadêmica – “não estavam nem aí” para os
reles mortais. As raras incursões de alguma divindade em nosso planeta apenas
causavam confusão e terror.
Não
é assim no mundo bíblico. O Senhor Yahweh – o Deus das Escrituras – toma a
iniciativa de se revelar aos homens que havia criado. Dialoga com eles. Convoca
Abrão para dar ao início a um povo “seu”: meu
povo! Transmite a Moisés as tábuas da Lei. Fala pelos profetas. Quer ser um
“Deus-conosco”...
Apenas
uma experiência desta natureza justifica o versículo deste Salmo: “Quem é igual
ao Senhor nosso Deus, que mora no alto e se inclina para olhar para os céus e
para a terra?” Sim, o homem não precisa realizar o esforço atlético de olhar
acima das nuvens, nem galgar os árduos degraus de uma escada celeste, como no
antigo ícone do Oriente. É do próprio Senhor a iniciativa de se inclinar,
rebaixando-se, e descer ao nível da criatura, tornando-se acessível e imanente.
Natural,
o salmista não podia imaginar, na meia-luz da Primeira Aliança, que esta
“inclinação” divina chegaria ao extremo de nos enviar seu próprio Filho.
Encarnado, nascido de Mulher, viria a nós o Verbo eterno, despido da glória que
cegava os anjos, para se abandonar às mãos humanas e permitir o mais íntimo e
próximo contato. Cumpria-se a profecia do Emanuel...
Em
comentário a este Salmo, Santo Agostinho interroga seus ouvintes: “Nas alturas
em que habita, o Senhor também vê as coisas humildes?” Deus se interessa por
nossa miserável condição? E ele mesmo responde: “O Senhor não somente os ergue
do estrume para os colocar entre os príncipes de seu povo, mas ainda ‘faz
habitar a estéril em casa, mãe e feliz com seus filhos’, ele que habita nas
alturas e vê o que é humilde no céu e na terra, a descendência de Abraão como
as estrelas do céu...”
Movidos
pelo verbo “inclinar”, como não mentalizar a imagem da mãe que se debruça sobre
o leito de seu pequeno filho? Após reclinar o bebê em seu berço, a mãe se
inclina para beijá-lo. É o retrato acabado de uma relação íntima e amorosa.
Daqui
em diante, ninguém se espante com os versos iniciais do “Cântico dos Cânticos”,
aplicados pelos Padres da Igreja à relação entre a alma e seu Deus: “Que ele me
beije com os beijos de sua boca”. (Ct 1,1)
Orai sem cessar: “O Senhor inclinou para mim o seu ouvido...” (Sl 116,2)
Texto de Antônio Carlos Santini,
da Comunidade Católica Nova Aliança.
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