O que devíamos fazer...
(Lc 17,7-10)
De
onde virá nosso velho vício de cobrar prêmios e comendas em razão de algum bem
que realizamos? Por que o verme do orgulho e da soberba não deixa de bichar os
frutos de nossas ações?
No
fundo, é como se o bem que fizemos resultasse exclusivamente de nosso esforço
pessoal, e não da silenciosa ação da Graça de Deus em nosso coração. Cedendo a
esse movimento íntimo que pede retribuição e aplauso, ignoramos que em nossa
vida tudo é graça, tudo é dom. Se algum bem chegamos a edificar, só o fizemos
porque o amor de Deus agiu em nós.
Um
santo afirmava: “Se eu pequei, Deus me perdoou; se não pequei, Deus me
sustentou”. Ele sabia muito bem que boa coisa não brotará no terreno de nosso
coração se Deus nos entregar a nós mesmos, às nossas más inclinações.
Nesta
sociedade em que as pessoas são avaliadas não por serem filhos de Deus, mas
pela sua “utilidade”, e logo serão descartadas quando sua capacidade mostrar-se
reduzida ou seriamente limitada, até os que servem a Deus podem cair no mesmo
engano: sentir-se importante, louvável, indispensável. Este sentimento está na
raiz de muitos desvios de conduta.
Mesmo
entre o “pessoal” da Igreja, o dragão da heresia pelagiana voltou a soprar seu
enxofre. Na concepção desses hereges, o homem seria capaz de fazer o bem e
chegar à salvação apenas contando com o próprio esforço e boa vontade. Isto é:
sem a Graça de Deus. Logo se percebe a mistura de voluntarismo e esforço heroico
(derivada de uma ilusão otimista acerca de nossa natureza!) que leva a
dispensar Deus, colocando-nos em seu pedestal.
Parece
que se esqueceram da advertência de Jesus, em Jo 15,5: “Sem mim, nada podeis
fazer!” E a verdade é que em tudo dependemos de Deus. Sem a luz do Espírito
Santo, nos desviamos da verdade. Contando apenas conosco, decaímos em terríveis
degradações morais.
Daí
a importância deste Evangelho que deseja acordar-nos para a realidade: “Somos
servos inúteis”. Ainda tentam adoçar a tradução: “Somos uns servos quaisquer...
Somos uns pobres servidores...” Mas é fugir do termo empregado por São Lucas [doûloi achreîoi = sem utilidade, sem
proveito]. De fato, corremos risco quando cumprimos nossa obrigação e nos
sentimos credores de Deus...
Continuaríamos
a fazer o bem se não houvesse uma recompensa em perspectiva?
Orai sem cessar: “Ó Deus, tu conheces minha
loucura...” (Sl 69,6)
Texto de Antônio Carlos Santini,
da Comunidade Católica Nova Aliança.
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