Puseram-se a seguir Jesus... (Mc 1,14-20)
Em sua
Homilia nº 5, São Gregório Magno [540-604 d.C.] comenta a atitude de Pedro e
André que prontamente deixaram suas redes ao chamado de Jesus. E chama nossa
atenção antes para as disposições do coração do que para os bens abandonados:
“muito deixou aquele que tudo abandonou, ainda que fosse pouca coisa”.
Assim sendo,
prossegue São Gregório, “ao ver que alguns deixam grandes bens, ninguém diga:
‘Bem que eu queria imitar aqueles que assim se desapegam do mundo, mas nada
tenho que eu possa deixar’. Vós abandonais tudo, meus irmãos, quando renunciais
aos desejos terrestres. Nossos bens exteriores, ainda que pequenos, são
suficientes aos olhos do Senhor. É o coração que ele olha, não a fortuna. Ele
não pesa o valor comercial do sacrifício, mas a intenção daquele que o oferece”.
Na visão de
Gregório Magno, se considerarmos os bens exteriores, “nossos santos mercadores
obtiveram a vida eterna, que é a dos anjos, em troca de uma barca e algumas
redes”. Ele tem razão: “O Reino de Deus não tem preço e, no entanto, te custa
exatamente aquilo que tens. Custou a Pedro e André o abandono de uma barca e
umas redes; custou à viúva duas moedinhas de prata (cf. Lc 21,2); custou a
alguém um copo de água fresca (cf. Mt 10,42). O Reino de Deus, já o dissemos,
te custa aquilo que tens. Vede, pois, meus irmãos, que não há nada mais fácil
de adquirir nem mais precioso a possuir”.
De onde terá
vindo a nós a ilusão, a falsa (e dolorida) impressão de que o seguimento de
Jesus é um fardo insuportável? Como foi que o simples pensamento da posse do
Reino que nos é oferecido de graça desperte em nosso coração uma sensação de
perda? Por que até os pais estremecem quando um filho se dispõe à vida
consagrada?
São Gregório
vai adiante: “No nascimento do Redentor, mostraram-se os habitantes do céu a
clamar: ‘Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens de boa
vontade’. (Lc 2,14) De fato, aos olhos de Deus, a mão nunca estará vazia de
presentes se o íntimo do coração estiver cheio de boa vontade. Daí a palavra do
salmista: ‘Estão em mim, meu Deus, os presentes que irei oferecer em teu
louvor’. (Sl 56,13 Vulg.) É como se ele dissesse abertamente: mesmo que eu não
tenha de exterior para te oferecer, encontro em mim mesmo aquilo que
depositarei sobre o altar, em teu louvor”.
Pensando
bem, a barca deixada por Pedro era velha e, às vezes, ameaçava naufragar (cf. Mt
8,24; Lc 5,7b); as redes que os discípulos abandonaram eram redes bem velhas,
exigindo frequentes reparos (cf. Mt 4,21b); o lago em que pescavam dependia de
milagres para dar algum peixe (cf. Lc 5,5-6; Mt 17,27; Jo 21,6). Grandes bens
eles deixaram, não?
Serão bens
assim tão valiosos que hesitamos em abandonar por Jesus?
Orai sem cessar: “Como retribuir ao
Senhor tudo o que me fez de bem?” (Sl 116,12)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova
Aliança.
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