É
verdade que Deus vos disse? (Gn 3,1-8)
Na figura mítica da serpente,
oculta-se o astuto anjo rebelde, identificado como o “pai da mentira” (cf. Jo
8,44). Não seria ele o último sujeito a se preocupar com a verdade? Mas é exatamente
em nome dela que o tentador se dirige à primeira mulher para atraí-la à
desobediência.
Pobre Eva! São tantas as formas de
desviar-se do caminho e decair! Uma delas – sempre atual! – consiste em demorar
os olhos sobre a coisa proibida. Dizem os entendidos no humano psiquismo que a
coisa proibida tem uma atração especial que a destaca de todas as demais
permitidas. Por isso mesmo, quanto mais nós a fitamos, mais sua posse nos
parece irresistível...
Outra situação prévia do desastre
está em dialogar com o demônio. A serpente traz uma pergunta sobre a norma
estabelecida pelo Criador. A mulher estende-se na resposta, demonstrando que
tudo ouvira e entendera com clareza. A serpente, porém, a contesta, suscitando
grave dúvida a respeito das intenções divinas. Deus seria realmente capaz de
nos enganar? Desta maneira, é lançada uma semente de desconfiança no coração da
criatura inocente.
Inocente? Sim, Eva é tão inocente,
que não percebe o absurdo na isca que lhe é apresentada pela serpente do Éden.
Não tanto o fruto em si (aliás, de onde será que tiraram a tal maçã, que não
aparece na narrativa do Gênesis?), mas a hipótese temerária de “ser como Deus”.
Curiosamente, quando a Tradição
relata a primitiva queda dos anjos rebeldes, ficou registrada a fulgurante resposta
do arcanjo Miguel: “Quis ut Deus?”
[Quem é como Deus?] Este arcanjo sabia muito bem da distância infinita entre o
Criador e a criatura. Foi este conhecimento superior que o manteve fiel. Já a
infeliz Eva, pobrezinha! A narrativa bíblica, ainda que enxuta, anota em
detalhes as fases de sua conduta: viu... deixou-se atrair... desejou...
colheu... comeu... compartilhou...
Eva é muito mais que um indivíduo do
sexo feminino. Eva somos nós, a humanidade, que insiste em ignorar a própria
fragilidade e alimenta no inconsciente os mais tresloucados anseios de
deificação. Queremos voar, como Ícaro. Roubar o fogo do Olimpo, como Prometeu.
Ter um filho com Vênus, como o inquieto Marte. Dificilmente reconhecemos nosso
limiar humano. Daí nossa mania de “divinizar” os heróis que ultrapassam
limites, ainda que seja uma simples onda do Havaí...
Que tal redefinir “pecado”? O
impulso de ir além de nossa humanidade... Na rebeldia das crianças, na cupidez
dos ladrões, na onipotência dos tiranos: eis nosso pecado original: a ilusão de
ser como deuses...
Orai sem cessar:“Senhor, não ando atrás de coisas
grandes...” (Sl 131,1)
Texto
de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
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