Da
nuvem saiu uma voz... (Mc 9,2-10)
A
nuvem é um símbolo bíblico cheio de significado. Na Primeira Aliança, foi numa
nuvem que o Senhor Yahweh acompanhou seu povo durante o êxodo, a caminho da
Terra Prometida (cf. Ex 13,21). Assim o Senhor – inacessível e fora do alcance
humano – ao mesmo tempo se mostrava e se escondia. Agora, já encarnado o Verbo
na pessoa de Jesus, aquele que os homens veem e tocam parece apenas humano. É
preciso que a voz do Pai, vinda do alto, isto é, da nuvem, faça a Pedro, Tiago
e João a revelação da divindade de seu Mestre.
Não
se trata de uma revelação aleatória, manifestação espetacular do poder divino, mas
ela é dada como uma espécie de vacina para o inevitável escândalo da cruz que
se aproxima. A glória do Tabor previne contra a humilhação do Calvário. Para os
três apóstolos, a plena visão inefável e inacessível da própria divindade, na expressão
do Papa Leão Magno [395-461 d.C.] - visão reservada aos corações puros na vida
eterna – estava fora do alcance, pois seres revestidos de uma carne mortal de
modo algum poderiam vê-la ou contemplá-la.
Neste
Evangelho, uma voz sai da nuvem para anunciar: “Este é meu Filho bem-amado.
Escutai-o!” Leão Magno comenta: “Sem dúvida, o Pai estava presente no Filho. Mas,
para pôr em evidência a propriedade de cada pessoa, a voz vinda da nuvem
anunciou o Pai aos ouvidos, assim como o esplendor emanado do corpo revelou o
Filho aos olhos. Ao acento dessa voz, caindo por terra, os discípulos ficaram
amedrontados, tremendo não apenas diante da majestade do Pai, mas também da
majestade do Filho”.
O
Bispo de Roma, que enfrentou os hunos de Átila, põe estas palavras no boca do
Pai: “Este é meu Filho, para o qual ser de mim e estar comigo é uma realidade
que escapa ao tempo, pois nem aquele que gera é anterior ao gerado, nem o
gerado é posterior àquele que o gera. Este é meu Filho, que a divindade não
separa de mim, que o poder não divide de mim, nem a eternidade o distingue de
mim. Este é meu Filho não adotivo, mas próprio; não criado de outra forma, mas
gerado de mim; não de uma outra natureza e tornado comparável a mim, mas da
minha essência e nascido igual a mim. Este é meu Filho, que, permanecendo na
condição de minha glória, e para executar nosso comum desígnio de restauração
do gênero humano, abaixou a imutável divindade até a condição de escravo.”
A
rigor, não deveria ser a suprema humilhação da Paixão e morte de Jesus Cristo o
justo motivo de nosso escândalo, mas a Encarnação pura e simples de um Deus que
se faz homem para salvar a humanidade de dentro para fora.
Assim,
o Pai poderia dizer: “Escutai-o sem hesitação, pois ele é verdade e vida, ele é
meu poder e minha sabedoria. Por que tendes medo de ser resgatados? Por que,
feridos, temeis ser curados? Seja feito aquilo que o Cristo quer, como eu
também o quero!”
Orai sem cessar: “Escutarei o que diz o Senhor!” (Sl
85,9)
Texto
de Antônio Carlos Santini, da Com. Católica Nova Aliança.

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