No outro mundo... (Lc 16,19-31)
Notável a parábola do “rico
indiferente”, ou melhor, “parábola dos seis irmãos”, como sugere J.
Jeremias (“As Parábolas de Jesus”, Ed. Paulinas, 1983). Parábola que
pode ser lida com humor ou com tremor...
Uma narrativa em dois tempos:
neste mundo, o pobre entre dores e o rico entre gozos; no outro mundo, posições
invertidas. E... para sempre, sem remissão... Detalhe curioso: é a única
parábola de Jesus em que um dos personagens tem nome: Lázaro (ou
Eleazar), que significa, em hebraico, “Deus ajuda”. Já o apelido do rico
indiferente – Epulão – é posterior e não consta do original.
Entre os dois “tempos”, a morte como
um limiar e uma virada, que a tudo multiplica por [–1], invertendo todos os
valores. O mendigo sofredor acaba no “seio de Abraão” (imagem do Céu), enquanto
o rico gozador acaba atormentado no inferno (dispensa imagens!). O rico tenta
um recurso paradoxal: pede a Abraão uma espécie de mediação do próprio Lázaro,
para refrescar sua sede infernal. O mesmo que, antes, negara migalhas de pão,
agora suplica por uma gota d’água...
Como isto era impossível, pois um
abismo intransponível (chaos magnum, em latim) impede o contato entre
céu e inferno, o condenado mostra preocupação com seus cinco irmãos que ainda
vivem na terra e – supõe-se – viviam um estilo de vida semelhante ao que ele
mesmo havia escolhido. Pede que o fantasma de Lázaro vá alertá-los. E ouve do
Pai Abraão a resposta: “Eles têm Moisés (a Palavra escrita, lógos) e os
Profetas (a Palavra viva, rhema). Basta ouvi-los!”
O ricaço ainda argumenta que a
aparição de um morto teria mais impacto e os levaria à conversão. E a crua
resposta: quem não ouve a Lei e as Profecias, também não daria ouvidos a um
morto...
Quantas lições! Não se vive
impunemente. Há uma retribuição proporcional. Ficar surdo à Lei de Deus é coisa
séria, de graves consequências. A indiferença ao pobre é mortal! O irmão ao meu
lado será o critério de meu julgamento pessoal...
Prefiro, contudo, fixar-me em uma
única lição: existe OUTRO MUNDO. Este mundo não é o único. Aliás, este é
provisório, passageiro. O outro, sim, é definitivo, tecido de eternidade. E
viver como se nada houvesse além deste mundo, é pura insanidade!
Quando o homem reduz a existência
apenas ao tempo histórico de aquém-túmulo, acaba por idolatrar as realidades
materiais, atribuindo-lhes um valor de absoluto. Não admira que mate pelo ouro,
que se corrompa pelo dinheiro, que se torne indiferente ao sofrimento alheio.
Para que mundo nós estamos
vivendo?
Orai sem cessar: “A ti, Senhor, o pobre se
abandona confiante!” (Sl
10,14)
Texto
de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
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