Todos
ficaram furiosos... (Lc 4,24-30)
Na cena narrada pelo evangelista
Lucas, Jesus estabelece um curioso contraste. De um lado, a pobre viúva de
Sarepta e o general sírio Naamã. Síria e Sidônia eram regiões “pagãs”,
consideradas impuras pelos israelitas. De outro lado, a sinagoga de Nazaré,
reunindo os herdeiros das promessas de Deus ao Povo escolhido, um status que os levava a olhar com
arrogância todos os povos estrangeiros.
Sarepta ficava na antiga Sidônia,
hoje Líbano, terra dos fenícios pagãos, fabricantes de púrpura e adoradores de
Astarte, uma abominação para os judeus. A Síria também era região dos goyim, os não-povo, que adoravam Remon,
outro ídolo abominável. No entanto, foi para a faminta viúva estrangeira que o
Deus de Israel enviou o profeta Elias (cf. 1Rs 17). E foi exatamente o leproso
Naamã, um goy, que recebeu a cura
divina, sob a orientação do profeta Eliseu (cf. 2Rs 5).
Não. Não é por acaso! Jesus “força a
barra” intencionalmente! Ele faz uma tentativa quase desesperada de libertar
seus ouvintes do orgulho nacional que acabara por fechar o coração deles ao
arrependimento e às graças de Deus. Os dois exemplos de estrangeiros acolhidos
por Deus, sensível à fome da viúva fenícia e à lepra do general sírio, deviam
levar a assembleia daquela sinagoga à reverência diante da ação de Deus e da
gratuidade dos feitos divinos para com toda a humanidade.
Ao contrário, os moradores de Nazaré
preferem torcer o nariz à mensagem que acabam de ouvir de Jesus, conhecido por
eles como um simples carpinteiro. Conhecido demais, na verdade, para ser ouvido
como profeta. Nada em Jesus oferecia matéria para deslumbramentos e louvores.
Assim, em vez de gratidão pelos privilégios recebidos, os galileus preferem
babar de ódio.
Também a nós Deus vem falando todos
os dias. Claro, nada de espetacular como anjos tocando trombetas de ouro nem aparições
luminosas ou danças do sol no azul do céu. Deus fala simples e pequeno,
humildemente. Deus fala pelos mais próximos. Fala pela mãe que aconselha. Fala
pelo pai que adverte. Fala pelo professor que corrige. Fala até pelas manchetes
do noticiário...
Será que continuaremos a desperdiçar
as oportunidades que Deus nos dá? Será que imitaremos os despeitados de Nazaré?
Afinal, Jesus tinha feito o primeiro milagre em Caná, logo ao lado de Nazaré, o
burgo vizinho que sempre mereceu nossas zombarias. E isto é imperdoável...
Precisamos de novos milagres para
acolher Jesus em nossa casa? Ou basta tudo o que ele fez por nós, ao doar seu
sangue e sua vida?
Orai sem cessar: “Este pobre pediu socorro e o
Senhor o ouviu.” (Sl 34,7)
Texto
de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário