Meu nome é legião... (Mc 5,1-20)
Estamos
diante de um caso de despersonalização. Invadido por maus espíritos, o possesso
já não responde por si. Chega ao ponto de perder sua identidade pessoal e
confundir-se com a horda que nele se hospedou. Jesus o interroga: “Qual é o teu
nome?” Ele responde: “Legião é meu nome”. O exército romano
era formado por legiões, grupos militares com milhares de soldados de
infantaria e centenas de cavaleiros. Assim, a imagem acumula conotações de multiplicidade,
mas também de confusão e despersonalização.
Nossa relação com Deus é pessoal - entre
um “eu” e um Tu” - em diálogo permanente. No Evangelho de Marcos, alternam-se
expressões no singular (“Não me atormentes”) e no plural (“Manda-nos
entrar nos porcos”). Ao fim, já
libertado, o homem ouve de Jesus uma frase dirigida a um “tu”: “Vai para casa,
para junto dos teus e anuncia-lhes tudo o que o Senhor, em sua misericórdia,
fez por ti”. Restabelecia-se a relação entre a pessoa divina e a pessoa humana.
Em seu livro sobre os caminhos
cristãos para reencontrar a harmonia pessoal, Pe. Serge Traore chama nossa
atenção para a importância de descobrir nossa verdadeira identidade, tantas
vezes mascaradas ou deformadas: “Quando descobrimos quem somos realmente, então
podemos curar-nos de nossas feridas. Podemos sair de nossas profundezas quando
aceitamos quem nós somos. Descobrir sua identidade pessoal, descobrir sua
personalidade faz parte de todo processo de cura, mesmo puramente psicológico
ou psicanalítico”.
Nós não sabemos que descaminhos
teriam levado aquele homem a se tornar hospedaria de demônios. O encontro com
Jesus – um encontro pessoal – foi a oportunidade para recuperar sua identidade.
Mesmo os que hoje negam a existência de “maus espíritos”, admitirão que em nossa
sociedade vive uma “legião” que já não se reconhece como pessoas livres,
capazes de traçar seu próprio caminho. E são vários os “espíritos” que
invadiram mentes e corações: as drogas, o dinheiro, a busca incondicional do
sucesso profissional, a sede de poder, a ânsia pela fama e – não duvidem! – até
a “moda”. Uma multidão de escravos tem seu destino determinado por tais
“demônios”.
Aqueles que dedicam sua vida pela
libertação do homem dificilmente realizarão sua tarefa se não começarem pelo
passo fundamental: despertar no escravo o “desejo de sair do não-ser, do ser
desfigurado, para entrar no ser, o ser real, o verdadeiro ser”.
Orai sem
cessar: “Senhor,
tu me sondas e me conheces!” (Sl 139,1)
Texto de
Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
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