Jamais provará a morte... (Jo 8,51-59)
Os filósofos já definiram o homem como
um “ser-para-a-morte”, no sentido de que entre os fenômenos próprios da
existência humana está aquela inevitável experiência a que denominamos “morte”.
O povo simples é bem mais direto: “Da morte ninguém escapa”.
Ambos têm razão, os complicados e os
simples: em dado momento de nossa caminhada, passaremos pela morte. Como prova disto,
lembrar que o próprio Filho de Deus, Jesus Cristo, homem verdadeiro e Deus
verdadeiro, também passou pela morte. Em cada missa, nós o rezamos no “Credo”:
“foi crucificado, morto e sepultado”.
Passou, sim, mas não estacionou ali.
Depois de morto, ele ressuscitou e “passou” para uma vida que desconhece a
morte e já a superou em definitivo. E aqui temos a notável distinção entre o
materialista e o cristão: a morte não é para nós o fim da linha, um beco sem
saída nem o porto de chegada. Existe vida além do tempo, uma vida “eterna”.
Tal como o Anjo exterminador, na noite
da libertação do Egito, saltou sobre as casas dos hebreus cujos portais tinham
sido marcados com o sangue dos cordeiros, assim também nós “passamos por cima”
[em hebraico, “pessach”, páscoa,
passagem] e vamos além.
O que chamamos de morte é uma separação
(quase sempre temida, muitas vezes sufocada no subconsciente) entre o corpo e a
alma espiritual. O corpo se desfaz, se des-organiza nos elementos que o
compunham, ora devolvidos à matéria terrestre. A alma, ao contrário, sopro da
divindade (cf. Gn 2,7; Sl 104,29-30), permanece viva à espera do grande Dia do
Senhor, quando veremos novos céus e nova terra (cf. Ap 21,1), recebendo um
corpo glorificado (cf. 1Cor 15,4-44).
Entretanto, de que nos adiantaria
passar pela morte, ressuscitar e experimentar a “segunda morte”, o “lago de
fogo” registrado no Apocalipse (20,14), destino dos condenados pela devassidão,
pela feitiçaria e pela idolatria (cf. Ap 21,8)?
No Evangelho de hoje, Jesus nos dá a
senha, o salvo-conduto que nos permite ter acesso a uma vida sem fim,
mergulhada no próprio Deus: “Se alguém guardar a minha palavra, jamais provará
a morte”. Esta Palavra que salva é o próprio Jesus, Verbo-Palavra do Pai, fonte
de vida e vencedor da morte. Ele sabia disso quando afirmou: “As palavras que
eu vos disse são espírito e vida!” (Jo 6,63)
A garantia de nossa “páscoa”, a
passagem para Deus, está em uma vida orientada pela Palavra de Deus. Nem que
seja uma palavra extrema, uma palavra última, como aquela dirigida na cruz ao
ladrão: “Hoje estarás comigo no Paraíso”.
Orai sem cessar: “Vossa
palavra é que me dá a vida.” (Sl 119,50)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
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