Se queres
ser perfeito... (Mt 19,16-22)
Nos
últimos tempos – mesmo em círculos da Igreja -, quando se fala em “perfeição”,
brotam sorrisos céticos, quase de galhofa. Como se a simples ideia de perfeição
fosse utopia fora de nosso alcance. Ou sintoma de orgulho espiritual. Como se
fôssemos batráquios, incapazes de chegar às estrelas...
Ora,
se os filhos de Deus – fomos adotados, certo? – não fossem capazes de tender à
perfeição, não viria do próprio Deus a ordem já na manhã nebulosa do Antigo
Testamento: “Sede santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo”. (Lv 19,2.)
Nem ouviríamos de Jesus, na luz plena do Novo Testamento: “Sede perfeitos,
assim como vosso Pai celestial é perfeito”. (Mt 5,48.)
Aliás,
“perfeição” não resulta de práticas de ascetismo ou de algum atletismo
espiritual. Santos não são heróis nem super-homens, mas pecadores que se
deixaram transfigurar pelo amor de Deus. É o amor quem nos aperfeiçoa.
A
mocinha mimada e egoísta se casa: nascem os filhos e, no dia-a-dia, lenta e
penosamente, ela aprende a amar e a servir, colocando-se em último lugar tão
somente porque ama os filhos. O amor aos filhos santifica as mães.
O
garotão narcisista se forma em medicina e vai trabalhar no asilo das velhinhas.
Ali, leva um choque ao descobrir o mundo da velhice com suas cruzes terríveis.
Seu coração se comove e o doutorzinho passa a dedicar-se àquelas vovozinhas de
alma e coração. Aos poucos será santificado pelo suave amor que foi brotando
nele. O amor aos pacientes santifica os médicos.
Este
Evangelho traz um jovem que cumpria os mandamentos. Os dez! E isto já era
admirável. Ao manifestar desejo de seguir a Jesus, o Mestre leu seu coração e
percebeu que, mesmo sem infringir a Lei, era apegado aos bens que possuía. E
sem liberdade não se pode amar. O apego à matéria constrange o coração do
homem, sufoca-o de cuidados, cerca-o de temores, rouba-lhe a paz. E o Mestre a
quem pretendia seguir nem mesmo um travesseiro possuía, onde pudesse descansar
a cabeça. Livre como os pardais, palmilhava as estradas da Palestina a semear
uma estranha sementeira de amor.
Daí a
observação que cortou o peito do jovem como lâmina afiada: “Uma coisa te
falta...” Ele poderia ter pensado: “Uma coisa me falta? Mas tenho tudo. Nada me
falta!” Faltava, porém... Faltava a liberdade que vem do desapego. A liberdade
que torna possível um salto no escuro, um voo cego no amor divino.
Somos
livres para seguir a Jesus?
Orai sem cessar: “Fora de vós, Senhor, não
há felicidade para mim!” (Sl 16,2)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade
Católica Nova Aliança.
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