O que transborda do coração... (Lc 6,43-49)
A
boca fala da abundância do coração. O que aflora da boca é como a fonte da
montanha, mas lá em baixo, nas profundezas da rocha, está o manancial. Se o
manancial é puro, a água da fonte também o será. Se o manancial é tóxico, assim
também a fonte...
Habitualmente,
quais são os nossos assuntos dominantes? De nossas palavras, que sentimentos se
manifestam? Até a música de nossa voz (mais grave ou aguda, mais rápida ou
pausada) pode revelar nosso mundo interior. Nosso “coração”. Li, em artigo do
foniatra Pedro Bloch, que um dos critérios para seleção dos astronautas
americanos era o timbre de sua voz: vozes agudas denotam excessiva emotividade,
incompatível com as situações de risco que deverão encontrar em suas missões.
Durante
anos, senti-me incomodado por um companheiro que insistia em contar piadas
inadequadas, que sempre envolviam como personagens padres e freiras. Um dia,
perdi a paciência e disse ao companheiro: “Você já notou que está sempre a
denegrir a imagem dos padres e das freiras. Isto é sinal de algum problema aí
dentro... Você nunca pensou em procurar um psiquiatra?” Para meu espanto, ele
nunca mais voltou às piadas em minha presença. E eu fiquei pensando: “Por que
demorei tanto tempo a tomar uma atitude? Quanto tempo eu perdi!”
Com
certeza, você também conhece pessoas de voz amável, pacífica, que sempre estão
a falar de aspectos luminosos da vida, realçando o lado positivo das pessoas,
capazes de enxergar um fiapo de luz na escuridão. Deve conhecer também o
oposto: gente que enxerga logo o único ponto negro na superfície da folha
branca de papel e, se necessário, providencia uma boa lupa para ampliar o
ponto.
Conhecerá,
talvez, pessoas amargas, que vivem a se lamentar, a reclamar da ingratidão e da
maldade alheia. Gente que ignora a alegria de abençoar e bendizer. Gente que
desconhece a ação de graças, o sorriso amigo, o silêncio que finge não ver...
Nossa
“Seleta” escolar dos tempos do ginásio trazia uma pequena narrativa. Na
Palestina, à beira da estrada, apodrecia a carcaça de um cão morto. As pessoas
passavam, desviavam o rosto e reclamavam do mau cheiro. Passou um Rabi, olhou e
comentou: “Que belos dentes ele tinha!” Dizem que o Rabi era Jesus Cristo...
Será
que a beleza não está nas coisas, mas dentro de nós?
Orai sem cessar: “Na minha boca, eu só tinha o teu louvor!” (Sl
71,8)
Texto de Antônio Carlos Santini,
da Comunidade Católica Nova Aliança.
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