Vinde a um lugar deserto! (Mc 6,30-34)
Pouco
sabemos sobre o deserto. Em geral, pensamos nele como um inóspito areal, onde o
vento e as tempestades de areia se alternam com o dia tórrido e as noites
gélidas. Na verdade, tememos o deserto. Quando não há ninguém à vista, somos
constrangidos a olhar para nosso interior...
Quando deixou
as luzes de Paris e mergulhou no deserto de Marrocos, Charles de Foucauld sabia
a quem procurava. Ou melhor: Quem procurava por Charles... O deserto é o lugar
do encontro com Deus. Ali, na ermida de pedras que ele ergueu com as próprias
mãos, Jesus não teria competidores. Joelhos dobrados diante da Hóstia
consagrada, Charles se limitaria a amar e ser amado...
Neste
Evangelho, o “deserto” significa para o discípulo a oportunidade de descanso,
longe da multidão. E também o desejado tempo de intimidade com o Mestre, quando
ensinava os mistérios do Pai em linguagem “traduzida” (cf. Mt 13,36), acessível,
sem figuras. E o discípulo precisa do deserto. Não pode viver todo o tempo
tragado pela multidão. Não pode ser arrastado pela enxurrada a que chamam de
“civilização urbana”. Afinal, como dizer ao povo a Palavra de Deus, se não
temos tempo para escutar o que Deus nos quer falar?
Na prática –
confessemos com sinceridade -, não é só para Deus que não temos tempo. A mãe já
não tem tempo para os filhos. O esposo não tem tempo para a esposa. Nem mesmo o
chefe quer ser incomodado pelos subordinados. Estamos tão atarefados em
realizar nossos projetos (e os inadiáveis projetos das empresas, aqui incluída
a própria instituição eclesial!), que mais parecemos um barquinho de papel
arrastado pela correnteza da sociedade...
Falamos
tanto em liberdade e em direitos humanos, mas procedemos como escravos que se
deixam seduzir e arrastar pelos projetos daqueles que regem o mercado e a
economia, indiferentes à sede do coração humano.
Ouviremos um
dia a voz de Deus que nos chama ao deserto? Ouviremos o convite de amor que
anseia por nossa intimidade? Seríamos capazes de desligar a TV, cancelar
compromissos, rasgar a agenda?
Ou
continuaremos nosso caminho sufocados pelo caos tecido de ruído e buzinas, rock e sirenes, respirando ao ritmo de
nossos celulares? Seremos sempre dentes da engrenagem impiedosa que ocupa o
coração humano, fechando-o aos apelos do amor que morre de fome ali na esquina?
No silêncio
do deserto, Deus espera por nós...
Orai sem cessar: “Vou abrir um caminho em pleno deserto!” (Is 43,19b)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova
Aliança.
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