Ele
veio de noite...
(Jo 3,1-8)
A noite é um tempo especial. Posto o
sol, as sombras velam os espaços, diluem as formas, disfarçam os rostos. Sem
imagens para os olhos, os ouvidos se aguçam à procura de sinais: passos nas
pedras, folhas secas pisadas, o vento na ramagem. Foi na sombra da noite que
aconteceram notáveis experiências de Deus...
Não havia sol quando Jacó lutou
com o Anjo no vau do Jaboc (Gn 32,23ss). A noite era fechada quando Moisés
conduziu o povo para fora do Egito (Ex 12,42). No veludo noturno, a amada saiu
em busca do Amado (Ct 3,1-2). Foi no meio da noite que o galo cantou e
despertou as lágrimas de Pedro (Mt 26,74-75). Era na solitude da noite que
Jesus vigiava, atento à voz do Pai (Lc 6,12)...
Nicodemos, fariseu e membro do
Sinédrio judaico – o supremo tribunal religioso de Israel -, um intelectual
sincero em busca da verdade, visita Jesus nas trevas da noite. Nada mais
apropriado. Afinal, Jesus – a Luz do mundo – viera do Pai exatamente com a
missão de iluminar as trevas.
Tenho ouvido com frequência uma
acusação contra Nicodemos: teria vindo à noite porque sentia medo dos poderosos
grupos dirigentes que viam a Jesus como um incômodo adversário. Não queria
arriscar-se. A noite seria a proteção dos covardes.
Peço licença para discordar. Aposto
que Nicodemos veio à noite porque não desejava interrupções naquele encontro.
Ao contrário, ele buscava por um momento de especial intimidade com Jesus,
quando a Verdade – ah! A Verdade tão suspirada! – invadiria seu coração
sedento...
De fato, muitas vezes Jesus
aproveitou o sossego da noite para traduzir em miúdos, junto aos discípulos, as
lições e parábolas que permaneciam impenetráveis à grande massa. Assim, se o
dia era dado às turbas, a noite pertence aos discípulos. É seu tempo
privilegiado de escuta e revelação.
Ai de nós! Nossas noites – agora
iluminadas por tantos watts, sem
aquelas antigas lamparinas de azeite tremulantes! – mudaram-se em preguiçoso
tempo de contemplação de novelas e filmes pagãos... O precioso tempo que nos
era dado para a intimidade com o Mestre acaba sequestrado pelas anestesias e
ilusões da sociedade sem tempo para Deus...
E pensar que o Mestre está esperando
por nós... Tem tantos segredos a nos revelar... Tem sede de nossa companhia...
E não encontra os amigos dispostos a ouvir a sua Palavra...
É bom, afinal, não esquecer o aviso
que o Mestre nos deixou: será bem no meio da noite que se ouvirá o grito: “Eis
o Esposo! Ide ao seu encontro!” (Mt 25,6) Quem estiver de vigília, este entrará
para o banquete...
Orai sem cessar: “E
de noite eu louvarei o Deus da minha vida!” (Sl 42,9)
Texto
de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança
Nenhum comentário:
Postar um comentário