Vós mesmos, dai-lhes de comer! (Mt 14,13-21)
A
multidão sofre as penúrias do deserto. Longe de qualquer povoação, não existe
alimento disponível. É bem mais cômodo despedi-la para suas casas. Voltariam
com fome, é claro; que se há de fazer? Não é interessante como nós nos
acostumamos com a fome... dos outros? Mas Jesus vê as coisas por outro ângulo.
Muito mais que resolver um problema social, Jesus de Nazaré se deixa
mover por uma profunda compaixão. Ele se “condói”, “tem pena” da turba. O verbo
aqui empregado no texto grego (esplagnísthe) do Evangelho denota um movimento das suas “entranhas”, um retorcer
das “vísceras abdominais”. Um frio na barriga, diríamos nós. Uma forte reação
somática diante das necessidades do povo. E jamais chegaremos a explorar
plenamente este lado “humano” de Jesus Cristo.
Jesus, porém, logo devolve a seus
discípulos a responsabilidade pela situação. Eles já tinham visto o Mestre em
ação: foram autênticas testemunhas oculares quando ele curara o servo do
centurião, quando acalmara a tempestade no lago, quando expulsara demônios,
quando fizera andar o paralítico, quando ressuscitara a filha de Jairo. Depois
de tudo, pode ser que seus discípulos esperassem do Mestre mais uma ação
sobrenatural. Milagres a granel... E, surpresos, ouvem a ordem: “Vós mesmos,
dai-lhes de comer!”
Os discípulos contabilizavam apenas
seus parcos recursos humanos: cinco pães e dois peixinhos. Parece pouco, muito
pouco, mas basta para o Senhor. “Trazei-os aqui!” E com aqueles gestos que
fazem pensar na futura ceia da Quinta-feira Santa, Jesus abençoa e multiplica
aqueles dons.
É milagre, sim! Nada mais vão e
artificial que o esforço de certos teólogos ao afirmar que foi a “partilha” que
alimentou a multidão. Precisam dar asas à imaginação e contar com outros
farnéis que o Evangelho jamais registrou. A desproporção entre os dons e o
número dos convivas, tudo somado às sobras (doze cestos repletos!), apenas
sinaliza para o poder e a misericórdia sem limites de nosso Deus.
Mas permanece válido em nossos dias
o imperativo de Jesus: “Vós mesmos dai-lhes de comer!” Isto é: nada de ficar
esperando pelas “mágicas” de Deus, quando nós mesmos devemos nos comprometer
pessoalmente com as necessidades de nossos irmãos. Deus prefere agir
costumeiramente através de mediações humanas: servidores que lhe emprestam as
mãos, os pés, a voz e... o sangue...
Diante da miséria do mundo –
material e espiritual -, será que a minha barriga vai permanecer sossegada?
Orai sem
cessar: “Deus dá o pão a seus amados até durante o sono!” (Sl 127,2)
Texto de Antônio Carlos Santini, da
Comunidade Católica Nova Aliança.
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