Migalhas
que caem da mesa... (Mt
15,21-28)
Este
Evangelho é um daqueles textos memoráveis que jamais chegaremos a esgotar em
sua riqueza de significados. Este encontro de Jesus com a mulher cananeia nos
fala de fé e de humildade, de amor pelos filhos, de diferenças étnicas e
sociais. Mas fala também de... desperdício!
Em
minha remota infância, um simples pedaço de pão caído ao chão disparava um tapa
na orelha ou um doído beliscão: “Cata depressa! O pão é sagrado!” E a criança
se apressava em recuperar o dom perdido. Bons tempos! Tempos em que a comida
era escassa, mas sempre venerada como precioso dom de Deus.
Lembro-me
de meu avô Giuseppe, já bem velhinho, ao final das refeições: com o miolo do
pão, ele “enxugava” literalmente o prato, deixando-o limpo e brilhante. É que,
após sete anos seguidos de guerra, longe de sua Itália – Campanha da
Tripolitânia, Guerra Ítalo-turca e Primeira Guerra Mundial – vovô aprendera a
aproveitar cada migalha da comida. Ele experimentara a falta do pão.
Bem,
não é este o nosso caso, certo? Parece que nós vivemos tempos de vacas gordas,
rebanhos numerosos, superprodução de grãos, hipermercados bem abastecidos. Dá
até fastio! Natural que produzamos muitas migalhas, abundante lixo orgânico,
comida desperdiçada. A gente acaba por se acostumar com a fartura...
Não
é exatamente o caso de nossa vida eclesial neste início de milênio? Quanta
fartura! Quanta abundância! Palavra de Deus. Eucaristia. Sacramentos. Grupos de
oração. Retiros espirituais. Congressos. Reflexões na Internet. Pregadores na
TV. Padres cantores. Traduções da Bíblia em centenas de idiomas. Turismo
religioso. Nunca foi tão fácil ser cristão! Religião pra dar e vender...
De
tudo isto, quanto cai no chão? Quanto se desperdiça do pão destinado aos
filhos, mas que pode acabar na boca dos cachorrinhos? Ainda brota em nosso
coração um sentimentozinho de gratidão pelo rico cardápio que o Senhor oferece
aos filhos?
Em
viagem missionária pela Transamazônica, vi a fome espiritual dos moradores do
Pará. Em cada “folha” do seu território, uma capela de madeira. Nenhuma imagem
de santo. Nenhum sacrário com o depósito eucarístico. Padre? Uma vez por
semestre... uma vez por ano... E o povo ali reunido, todas as noites, em
oração. Confesso: tive vergonha de mim...
Neste
Evangelho, aquela mulher humilde foi agraciada com as “sobras” desperdiçadas
pelos filhos da casa. E ela se deu por satisfeita com as migalhas recolhidas do
solo. Jesus não pôde refrear a exclamação: “Mulher, é grande a tua fé! Assim
como queres, te seja feito!”
Que
faremos do Pão que Deus nos oferece?
Orai sem cessar: “O Senhor dá alimento a quem tem fome...” (Sl 146,7)
Texto de Antônio Carlos Santini, da
Comunidade Católica Nova Aliança.
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