O fundo do abismo... (Tb
13,2-5.8)
Este
salmo é conhecido como o “Cântico de Tobit”, que manifesta seu júbilo pelo “happy end” do périplo de seu filho
Tobias, alvo da proteção divina. Ele reconhece que o mesmo Deus que castiga é o
Deus que tem compaixão. Nada escapa ao Deus Altíssimo, nem mesmo os abismos do
homem.
Várias
passagens da Escritura revelam marcas de um fundo comum às antigas religiões e
teogonias, nas quais se imaginava um mundo inferior – o abismo ou Tehom -, entendido como uma potência do
caos, insondável e aterrorizante. Imagina-se uma região sombria, o Xeol, onde os mortos estão encerrados,
correspondente ao Hades da mitologia
greco-romana. Jó se lamenta: “Como a nuvem se dissipa e desaparece, assim quem
desce ao Xeol não subirá jamais”. (Jó
7,9) E o salmista, que não quer morrer, argumenta diante de Deus: “Quem te
louvaria no Xeol?” (Sl 6,6)
Como
observa Maurice Cocagnac, “o sentimento do infinito é para o homem uma sensação
física, mas de natureza variada. A perspectiva do alto-mar ou do céu estrelado
tende a dilatar a alma, enquanto a vertigem do precipício ou do abismo tende a
constringi-la. O medo da queda a impele a se refugiar na concha de sua
angústia”.
O
semita que nos deu o Antigo Testamento, pouco habituado ao mar, vê nele um
espaço de vertigens, hostil e ameaçador, morada do Leviatã e de monstros
marinhos. A experiência de Jonas no ventre do grande peixe é, nesse caso,
exemplar. Com um colar de algas no pescoço, Jonas, “já no ventre da Morte” (Jn
2,3), invoca o Senhor e é arrancado da “fossa”.
Com
a vinda de Jesus Cristo, uma nova luz invade os abismos da consciência humana.
Nem mesmo a “mansão dos mortos” escapa ao poder do Ressuscitado. Os ícones do
Oriente cristão mostram a “Anástasis”
de Cristo, que desce à caverna abissal, arromba as portas do inferno e resgata
pelo pulso os primeiros pais, Adão e Eva. Este ícone respondia às inquietações
dos primeiros cristãos a respeito do destino eterno de seus antepassados, que
não tiveram a oportunidade de ouvir a Boa Nova da salvação.
Mas
tiveram, sim! Já ressuscitado, Cristo desce aos abismos e faz esse anúncio
salvador. É o que lemos na 1ª Carta de Pedro: “É nesse mesmo espírito que ele
foi pregar aos espíritos que eram detidos no cárcere... [...] Pois para isto
foi o Evangelho pregado também aos mortos, para que, embora sejam condenados em
sua humanidade de carne, vivam segundo Deus quanto ao espírito”. (1Pd 3,19;
4,6)
Orai sem cessar: “Senhor, tiraste da fossa a minha vida!” (Jn 2,7)
Texto de Antônio Carlos Santini,
da Comunidade Católica Nova Aliança.
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