sábado, 30 de junho de 2018

PALAVRA DE VIDA


 Eu não sou digno... (Mt 8,5-17)
Resultado de imagem para (Mt 8,5-17)      Um centurião romano, chefe de cem soldados, está acostumado a dar ordens e a vê-las cumpridas sem retardos nem desculpas. Uma só palavra e basta! Por certo, o militar já está bem informado sobre Jesus, o estranho Rabi da Galileia que cura os enfermos, devolve a visão aos cegos e liberta os possessos. Mesmo sendo um estrangeiro na Palestina, ele reconhece a autoridade de Jesus sobre os males físicos e espirituais. Este reconhecimento (uma modalidade de fé?) é que o anima a rogar pelo servo doente.

Ao ver que Jesus faz menção de ir à sua casa, o soldado romano se espanta, atrapalhado: não precisa tanto, basta uma palavra! Afinal, um judeu que entrasse no ambiente “impuro” do estrangeiro, ficaria também ele ritualmente impuro. E o centurião tem um argumento invencível para que Jesus de Nazaré não visite seu lar, a casa de um estrangeiro, invasor e “pagão”: “Senhor, eu não sou digno!”
Como não pensar naquele publicano da parábola (cf. Lc 18,9ss), que sequer se aproximava do altar e – tão diferente do fariseu contador de vantagens - lá do fundo do Templo, olhos no chão, batia no peito e se rebaixava diante do Senhor: “Tem piedade de mim, que sou pecador”?
Não é sem motivo que nossas Eucaristias começam sempre por um ato penitencial. É, talvez, uma tentativa desesperada da Igreja para nos recordar nossa condição de pecadores. Espera-se que, batendo no peito, examinando a própria consciência, nós desistamos da impropriedade de cobrar alguma coisa de Deus, ou de apresentar-lhe nossos méritos (aliás, inexistentes...) ou mesmo reclamar asperamente do Senhor pela má qualidade dos serviços que Ele nos presta...
Como faz falta a todos nós este realista sentimento de indignidade! Aquele mesmo sentimento do pródigo que está voltando para casa com um discurso ensaiado: “Já não sou digno de ser chamado teu filho... Podes tratar-me como um dos empregados...” (Lc 15,19.) Para ouvir, surpreso, a resposta do Pai: “Não tem jeito, meu filho! Enquanto eu for Pai, tu serás meu filho!”
É assim que se descobre a verdade fundamental em nossa relação com Deus: não somos amados porque somos bons; somos amados porque somos filhos... Não é por mérito nosso. É pelo amor do Pai...
De que maneira eu costumo apresentar-me diante de Deus? Desfio o longo rosário de minhas boas ações e cobro retribuição? Ou confesso humildemente os meus pecados e recebo o seu perdão?

Orai sem cessar: “Junto ao Senhor se acha a misericórdia!” (Sl 130,7)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

sexta-feira, 29 de junho de 2018

PALAVRA DE VIDA


Sê limpo! (Mt 8,1-4)
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           Neste Evangelho, com um simples toque de mão, Jesus cura um homem de sua lepra. Na Palestina do tempo de Jesus – bem como em muitos lugares, ainda no Séc. XXI – a hanseníase era uma doença que excluía o enfermo da convivência comunitária. Devia ele vestir um manto apropriado e manter-se fora da cidade, à margem dos caminhos. Se alguém se aproximava, o leproso fazia algum tipo de ruído com um pedaço de metal, ao mesmo tempo que gritava: “Impuro! Impuro!”

            A situação dos infelizes era ainda agravada pelo fato de se associar a enfermidade a algum pecado cometido. Em outra passagem do Evangelho, os discípulos de Jesus perguntam a respeito de um cego de nascença: “Senhor, quem foi que pecou para ele ter nascido cego? Ele ou seus pais?” Via-se toda doença como castigo contra o pecador. E de imediato o Mestre nega essa possível causa, antes de devolver-lhe a visão e, com isso, contribuir para a glória de Deus (cf. Jo 9,1-3).
            É curioso notar a relação entre cura e limpeza, salvação e purificação. A mesma palavra latina – salus – se traduz como “saúde” e “salvação”. Sob este ângulo, a doença seria uma “sujeira”, algo que emporcalha o homem, velando a imagem divina nele gravada. Claro, a imagem deformada do corpo físico de um homem serve muito bem de figura da outra degeneração – muito mais grave e profunda! – que o pecado produz na alma e no coração da pessoa. A ação do Deus que santifica sua criatura bem pode ser vista como uma assepsia, uma “limpeza” das manchas do pecado.
            Mas a situação é bem outra depois de Jesus Cristo. Em clima de Nova Aliança, ao contrário de excluir e afastar os enfermos do convívio e da comunhão, a enfermidade nos interpela a aproximar-nos da pessoa ferida e, à imagem do Bom Samaritano (o próprio Jesus Cristo), usar de todos meios para demonstrar nossa misericórdia e recuperar o irmão ferido.
Foi assim que muitos agentes de saúde cristãos (católicos ou não) deram sua vida ao tratar das vítimas do vírus Ebola, na África. As atuais Comunidades Novas são um belo exemplo de agrupamentos cristãos que se dedicam às “diaconias”, pondo-se a serviço dos mais necessitados.
            Deus não quer a doença. Ao contrário, quer a cura. Mas é preciso que o enfermo se aproxime de Jesus, como fez o leproso deste Evangelho. Superando o preconceito que devia mantê-lo como marginal, ele aposta no poder de Jesus: “Se queres, podes curar-me!” Corpos feridos, corações partidos, mentes confusas, almas nas trevas – nada está fora do alcance desse Amor sem fronteiras.
            Quando iremos nos aproximar?
Orai sem cessar: “Senhor, purifica-me do meu pecado!” (Sl 51,4)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

PALAVRA DE VIDA

 Um homem sem juízo... (Mt 7, 21-29)
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    Este Evangelho tem como eixo a oposição entre um homem prudente, sensato, avisado (phronimós, no texto grego) e um homem imprudente, sem juízo (morós = louco, no texto grego). E qual é a prova cabal da loucura do homem? É ouvir a Palavra de Deus e não a pôr em prática.

            Jesus reservou esta parábola sobre a casa em rocha firme e a casa sobre areia para encerrar o Sermão da Montanha. É como se dissesse: de nada valerá tudo o que acabo de ensinar se vocês não puserem tudo isto em prática. Eu falei das aves do céu que o Pai celeste alimenta, mas terá sido uma imagem inútil se vocês continuarem a viver como pagãos preocupados. Falei dos lírios do campo que se vestem melhor que Salomão, mas a lembrança não dará frutos se vocês continuarem preocupados com suas vestes...
            O pior é que não levar a sério todas estas lições significa recusar Jesus Cristo como a Palavra do Pai que ilumina o caminho da humanidade. Em outros termos, recusa e desprezo por sua presença entre nós.
            Hébert Roux entende que esta passagem do Evangelho lança luz sobre a permanente discussão entre os crentes a respeito da relação entre a fé e as obras. “Aqui Jesus revela a que ponto é teórica e falsa a distinção tão frequente entre uma e as outras. Se a prática da Palavra fosse uma obra que o homem realizasse por si mesmo e tivesse de lhe acrescentar, para completá-la, a fé nele criada por Deus ao fazê-lo ouvir Sua Palavra, então o Sermão da Montanha – e com ele todo o Evangelho – não faria mais que recolocar para nós a justiça da Lei depois de nos ter libertado dela.”
            Foi neste sentido o alerta do apóstolo Paulo: “terminar pela carne depois de ter começado pelo espírito” (Gl 3,3) ou “pôr-se de novo sob o jugo da escravidão”. H. Roux prossegue: “Ora, segundo este texto, não há de um lado a fé, criação de Deus, e do outro as obras, os frutos imutáveis ao homem; mas há homens que, ouvindo a Palavra, põem-na em prática e dão um fruto que será conhecido e manifestado pelo julgamento de Deus, além de todas as aparências”.
            “A fé que não produz as obras não é a fé”, conclui o mesmo exegeta. E inversamente, as obras não podem existir sem a fé. A “prudência” de quem edifica sobre a rocha é impossível sem a presença da fé. Ao mesmo tempo, é a ausência da fé que leva o “louco” a edificar sobre a areia.
            Trabalhar como um escravo, acumular riquezas que a traça rói, dividir o mundo em amigos e inimigos, armar-se à espera do agressor – eis alguns traços da loucura alimentada pela falta de fé...
Orai sem cessar: “Meu Deus, minha rocha em quem me refugio...” (Sl 18,3)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança

quarta-feira, 27 de junho de 2018

PALAVRA DE VIDA


Uvas de espinheiros? (Mt 7,15-20)
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            A Sagrada Escritura tem belas páginas sobre as promessas de Deus, como a imagem dos ossos secos no deserto, que são reavivados pelo Sopro divino. Há belas passagens sobre os prodígios do Senhor, como o mar aberto para a libertação do povo. Mas também há páginas sombrias, onde a decepção de Deus corre como um rio...

            É o caso de Isaías 5, no “Cântico da Vinha”, onde o “amigo” do profeta – o próprio Senhor – se lamenta por um investimento desperdiçado: “Possuía meu amigo uma vinha, numa encosta de terra fértil. Ali plantou uvas selecionadas. Esperava que produzisse uvas boas, mas só produziu uva brava. ‘Que mais eu deveria ter feito por meu vinhedo?’”
            Nesta passagem estamos diante de uma “degeneração”. O bom se torna mau. A planta se des-naturou. Perdeu sua carga genética promissora de bom vinho. Trata-se de uma possibilidade para todo ser humano desde Gênesis 3. A própria encarnação do Verbo teve como objetivo a re-generação do gênero humano de-generado. Ninguém se espante, pois, se algo que parecia bom por natureza – um ministério eclesial, a pregação da Palavra, uma vida consagrada – acabe por se desvirtuar, mudando-se em fonte de poder, de dominação, de rebeldia, de lucro, de acumulação de bens materiais.
            No Evangelho de hoje, Jesus nos dá um critério definitivo para identificar aqueles que parecem profetas: são os frutos que eles produzem. Árvore boa produz frutos bons. Árvore má produz frutos maus. A leitura das vidas dos santos – que já chegaram a ser objeto de zombaria mesmo em ambiente eclesial – mostra de modo excelente como esses homens e mulheres se deixaram invadir pelo Espírito Santo – essa seiva excelente! – de modo a darem frutos de salvação.
            Em torno dos santos as multidões se aglomeram como abelhas que percebem o néctar das flores. Admiram seu amor pela pobreza, seu desapego dos bens materiais, seu espírito de sacrifício, sua disponibilidade em atender às pessoas, sua amabilidade a toda prova. São Paulo fala dos bons frutos na Carta aos Gálatas:
            “O fruto do Espírito, porém, é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, lealdade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei. Os que pertencem a Jesus Cristo crucificaram a carne com suas paixões e seus desejos. Se vivemos pelo Espírito, procedamos também de acordo com o Espírito. Não busquemos vanglória, provocando-nos ou invejando-nos uns aos outros.” (Gl 5,22-26)
            Este Evangelho pode ser vir também para uma avaliação de nossa prática em meio familiar, paroquial, no seio dos Movimentos e das Comunidades Novas. Quais são os frutos que ali se percebem?
Orai sem cessar: “Graças a mim é que produzes fruto...” (Os 14,8)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

terça-feira, 26 de junho de 2018

PALAVRA DE VIDA


Não deis aos cães... (Mt 7,6.12-14)
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            Na Palestina do tempo de Cristo, muito diferente de nossa época apaixonada pelos pets, os cães eram considerados como animais impuros. O nome de “cão” era atribuído aos estrangeiros que não seguiam a religião de Israel. Até Jesus chegou a usar desse termo quando parecia negar o pedido de uma mulher siro-fenícia, uma estrangeira, que implorava pela libertação de sua filha (cf. Mt 15,26).
            Também os porcos – cuja carne era proibida como alimento ao israelita fiel – foram considerados impuros e não eram criados no seu território. No Livro dos Macabeus (cf. 2Mac 6,18ss; 2Mac 7), com a invasão macedônica, os judeus se recusaram a comer carne de porco, conforme ordenava o rei Antíoco, ao preço da própria vida. Foi também para os porcos que os espíritos impuros pediram que Jesus os enviasse (cf. Mc 5,12).
            Neste Evangelho, Jesus contrasta as coisas santas e os animais desprezados – os cães. Opõe igualmente as pérolas e os porcos. A lição do Mestre de Nazaré é que as coisas sagradas, recebidas de Deus como valiosos dons, não podem ser objeto de descuido ou de desprezo. Lançar pérolas aos porcos significa depreciar os dons, não dar valor ao investimento de Deus em nós.
            Ora, nossos filhos são precioso dom de Deus. É o próprio Deus quem nos faz transmissores da vida. E qual é o cuidado que nós temos com os filhos? Como zelamos por sua fé, sua amizade com Jesus, seu crescimento espiritual e, numa só palavra, como trabalhamos por sua santificação?
            A fé que recebemos de nossos antepassados é valioso investimento de Deus, um depósito que uma geração passa a outra em notável corrida de revezamento. Quando um casal – que recebeu o batismo a pedido de seus pais – se recusa a batizar os filhos, comete exatamente o pecado de lançar as pérolas aos porcos, pois esses filhos hão de receber outro tipo de catequese, seja da TV, das mídias sociais ou dos companheiros de esquina.
            Podemos incluir entre nossas “pérolas” aqueles componentes de nossa pessoa – inteligência, memória, imaginação, vontade etc. – que recebemos como dons e deveriam dar frutos de salvação para a Igreja e para a humanidade.
            Mas não deixemos no esquecimento aquelas “coisas santas” que o Espírito de Deus depositou no Corpo de Cristo, que é a Igreja. Falo da Palavra de Deus, dos sacramentos em geral, especialmente a Sagrada Eucaristia. Pode ser que um observador neutro, ao contemplar nossas atitudes em relação a esses dons sagrados, perceba em nós algum desleixo, alguma indiferença, algum desprezo pelas “coisas santas”, o que não haveria de ficar sem repreensão ou punição.
Orai sem cessar: “O Senhor te abrirá o seu bom tesouro...” (Dt 28,12)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

PALAVRA DE VIDA


E não sereis julgados... (Mt 7,1-5)
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        O operário se distrai um instante, e a prensa amassa sua mão. O motorista se distrai um segundo, e eis o acidente mortal. Mas a mais grave das distrações que podemos cometer é perder de vista que um julgamento nos espera. Aliás, isto está registrado entre os mistérios de fé que proclamamos ao rezar o Símbolo dos Apóstolos, quando afirmamos crer que “Jesus há de vir para julgar os vivos e os mortos”.

            Na Carta aos Hebreus, o autor sagrado nos recorda: “Está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o juízo”. (Hb 9,27) Juízo e julgamento são sinônimos: significa estar diante de um Juiz que tem poderes para nos libertar ou condenar após examinar nossas ações. Mesmo deixando de lado a antiga Sequência da Missa de Defuntos, que falava em um “dia de ira”, a certeza do juízo deve orientar nossos passos.
            O absurdo cresce quando, esquecidos de que seremos réus ao fim de nossa vida, dedicamos nosso tempo a julgar os outros. Na linguagem do Mestre de Nazaré, “apontamos para a palhazinha no olho do próximo, mas nos esquecemos da trave em nosso próprio olho”. Jesus gostava de usar contrastes, acentuando-lhes os traços. Neste caso, ele contrasta um pequeno cisco e uma enorme peça de madeira. E quanto maior a nossa “trave”, tanto menos teremos noção de nossos próprios erros e pecados, ao mesmo tempo que amplificamos as falhas dos outros.
            Aquele que julga o próximo e se reveste da toga de juiz, acredita ser instrumento da justiça. Ocorre que, ao julgar, ele usurpa um privilégio do próprio Cristo, pois cabe ao Senhor julgar os vivos e os mortos (cf. Mt 25,31-33). Nesta passagem, o “julgamento” é uma separação. Por isso mesmo, a espada que separa tem sido usada como símbolo da justiça. Ovelhas de um lado, cabritos do outro; uns irão para o Reino do Pai, outros para o fogo eterno.
            Nesta passagem de Mt 7, Jesus nos alerta: “Não julgueis!” E explica: seremos julgados com a mesma medida com que julgamos os demais: rigor com rigor, misericórdia com misericórdia. O grande erro de fundo consiste em ignorar que nós mesmos – desde que o Filho de Deus se encarnou, sofreu e morreu por nós – fomos objetos de uma misericórdia infinita: “quando éramos pecadores, Cristo morreu por nós” (Rm 5,8).
            Se eu acuso a palha de meu irmão enquanto tenho uma trave no meu olho, sou hipócrita. Mas se acaso estou vendo claro, sem sombras e distorções, é porque a trave já me foi tirada pela Graça de Deus e, neste caso, devo usar da mesma misericórdia que recebi quando notar a palhazinha de meu irmão.
            O contínuo desfile de criminosos no noticiário da TV não nos deve levar ao esquecimento de nossos próprios erros. Como dizia um santo: “Eu também seria capaz disso...”
Orai sem cessar: “Deus tenha misericórdia de nós e nos abençoe!” (Sl 67,1)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

domingo, 24 de junho de 2018

PALAVRA DE VIDA


 E esteve no deserto... (Lc 1,57-66.80)
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   João Batista, o precursor do Messias, cuja missão era apontar o Cordeiro de Deus, identificando-o no meio da multidão, viveu no deserto antes de sua breve atividade às margens do Jordão. Afastado dos homens, convivendo com as feras, alimentando-se daquilo que a natureza áspera lhe oferecia, vestido de couro como os demais profetas, ele soube crescer no silêncio. Sem o deserto, como ouvir o Espírito de Deus que fala no silêncio?

            No mundo bíblico, o deserto desempenha um notável papel. O próprio caos inicial (cf. Gn 1,2) anterior à ação ordenadora do Logos divino pode ser comparado a um deserto. Pelo deserto vagavam as tribos nômades em sua errância. Foi no deserto, por quarenta anos, que o povo de Israel caminhou em círculos, pedagogicamente guiado e confundido por Yahweh. É ao deserto que o Senhor atrai a esposa infiel, para reacender no coração dela as brasas do amor conjugal (Os 2,16).
            Foi no mesmo áspero areal que João Batista se recolheu, junto às rochas áridas do Mar Morto, para ouvir apenas a voz do Vento que sopra onde quer. Tal como experimentara Elias em sua caverna (1Rs 19), o permanente sopro do Espírito iria despojá-lo de todas as humanas ambições, deixando-o centrado exclusivamente no sonho de Deus.
            Em seu admirável livro “O Pobre de Nazaré”, Frei Ignácio Larrañaga apresenta duas hipóteses para a precoce retirada de João Batista ao deserto. Seus pais, de idade avançada, poderiam ter morrido ainda na infância de João. Ou então, diante dos acontecimentos maravilhosos que tinham envolvido sua concepção e nascimento, a própria Isabel, sua mãe, o teria separado e consagrado ao Senhor, escolhendo a solidão do deserto como seu retiro permanente.
            Seja como for, fica evidente que o silêncio é o lugar necessário para a escuta da voz interior, o sussurro do Espírito que conduz o homem em sua missão. No ruído cacofônico das ruas e praças, entre buzinas de automóveis e os gargarejos das guitarras eletrônicas, a voz de Deus acaba neutralizada, nossos ouvidos são tapados, o coração petrificado. Isto explica boa parte das angústias e depressões de nosso tempo...
            O próprio Jesus, mesmo sendo Filho de Deus, retirava-se habitualmente das pressões da multidão e subia à montanha para, em oração, ouvir do Pai as inspirações necessárias à sua missão.
            Se alguém quer ouvir a Deus e, como João, discernir sua missão, trate de encontrar o seu deserto...
            Em meu dia-a-dia, consigo fabricar algumas ilhas de silêncio? Ou ainda sou arrastado pela vertigem do barulho?
Orai sem cessar: “Fala, Senhor, que teu servo escuta!” (1Sm 3,10)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

sábado, 23 de junho de 2018

PALAVRA DE VIDA


Em primeiro lugar o Reino de Deus! (Mt 6,24-34)
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Tempos inquietos os nossos! Tensão, stress, ansiedade em uma vida toda orientada para ganhar o pão e as seguranças materiais. Com os olhos presos à cidade dos homens, ficamos cegos à cidade de Deus. Jesus quer orientar-nos em outra direção: viver serenos nas mãos do Pai do céu. Eis o comentário de Isaac, o Sírio:
“Nada a peça a Deus daquilo que ele mesmo deseja nos dar sem que o precisemos pedir. Ele o dá não somente a nós, seus fiéis, mas também aos que são estranhos ao seu conhecimento. ‘Não sejam, diz o Senhor, como os pagãos que tagarelam quando rezam. São os pagãos que procuram pelas coisas do corpo. Quanto a vós, não vos inquieteis com o que haveis de comer, nem com o que bebereis, nem com o que vos vestireis. Vosso Pai celeste sabe que tendes necessidade destas coisas’.
Já não é pão que o filho pede a seu pai, mas dele espera aquilo que há de maior e mais elevado em sua casa. Foi por causa da fraqueza da inteligência humana que o Senhor nos prescreveu pedir o pão quotidiano, mas tende em conta o que ele ordenou àqueles cujo conhecimento é perfeito e cuja alma é sã. ‘Não vos inquieteis - diz ele - com o alimento e as vestes.’ Se ele vela sobre os animais irracionais e sobre os pássaros, e sobre todos os seres que não têm alma, quanto mais ele há de velar sobre nós? ‘Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo.’
Se pediste algo a Des e ele tarda a atender, não te aflijas. Não és mais sábio que Deus. Ou isso te acontece por seres indigno de obter o que pedes, ou porque os caminhos de teu coração não vão no sentido de tua prece, mas em sentido oposto; ou porque ainda não chegaste ao ponto em que podes receber a graça solicitada.
Não devemos desejar antes do tempo aquilo que nos ultrapassa, a fim de não tornar inútil a graça de Deus, recebendo-a depressa demais. Tudo que é recebido com facilidade pode ser perdido rapidamente. Mas tudo se guarda com atenção se é obtido quando o coração está sofrendo.
Tem sede de Cristo, a fim de que ele te embriague com seu amor. Fecha teus olhos diante das delícias desta vida, para que Deus faça reinar sua paz em teu coração. Abstém-te das coisas que teus olhos veem, a fim de ser digno da alegria espiritual. Se tuas obras não agradam a Deus, não lhe peças para ver as coisas de sua glória, para não seres como alguém que tenta a Deus.
Ama a humildade em todas as tuas obras, a fim de seres libertado das armadilhas ocultas que sempre são encontradas ao sair do caminho dos humildes.”

Orai sem cessar: “Ensina-me, Senhor, o teu caminho!” (Sl 27,11)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

sexta-feira, 22 de junho de 2018

PALAVRA DE VIDA


 A traça e a ferrugem... (Mt 6,19-23)
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        No “Google” imagens, vejo uma série de fotografias do navio “Titanic” no fundo do mar. O espetáculo impressiona: corrimões roídos pela água salgada, fileiras de porcelana fina, garfos com os dentes quebrados, garrafas de vinho ainda arrolhadas, uma hélice atacada pela corrosão, um pedaço de âncora...

            Estas imagens falam por si. Remetem a sonhos e ilusões, símbolos de poder e de riqueza, ao lado da falência de nossa arrogância e de nossas seguranças. Estas imagens entoam uma ode à ruína humana. No fundo do abismo, o alegre salão de festas transformou-se em túmulo frio.
            No Evangelho de hoje, Jesus vem contrastar os tesouros do céu e os tesouros da terra. Estes valores terrenos, pelos quais tantos dedicam laboriosamente todo o esforço e toda a vida, têm como sua marca natural a efemeridade: eles não duram. Para acentuar a ilusão de posse que nos ronda, Jesus cita três agentes dos quais ninguém consegue escapar: a traça, a ferrugem e os ladrões.
            Não quer dizer que os “bens” materiais não tenham valor. O que está em questão é o risco iminente de ter o coração apegado a eles e, em consequência, tornar os olhos da alma velados para os valores eternos. A relação do homem com os “bens” torna-se uma relação de serviço, semelhante à relação do súdito com seu imperador.
            Ora, a adesão plena a um “patrão” deste planeta – seja ele o dinheiro, a fama ou o poder - torna a alma incapaz de servir livremente a Deus. A frase que ilumina todo o contexto é de fato radical: “Ninguém pode ser vir a dois senhores”. (Mt 6,24) A opção por um deles implica a rejeição do outro. Não outra escolha: ódio ou amor!
            Por isso mesmo, a alguém que pretendia segui-lo, Jesus advertiu: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”. (Mt 19,21) Esta frase de Jesus está na origem dos chamados “conselhos evangélicos”, que se concretizam, para os consagrados, nos votos de pobreza, castidade e obediência.
            Qual seria o sentido desse “despojamento” voluntário? Sem dúvida, a liberdade. A experiência vivida por Francisco de Assis e proposta aos seus seguidores era, acima de tudo, um convite àquele alto grau de liberdade que torna possível o serviço incondicional ao Senhor de todos os senhores.
            E o apóstolo João arremata: “O mundo passa, e também a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre”. (1Jo 2,17)
            Francisco, Teresa, Hélder... Eles escolheram bem...
Orai sem cessar: “Senhor, fora de ti não tenho bem algum!” (Sl 16,2)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

PALAVRA DE VIDA


 Seja feita a vossa vontade... (Mt 6,7-15)
Imagem relacionada  É estranho como um ato essencialmente religioso – a oração – possa ser o campo de tantos desvios, tantos enganos, tanta corrupção! Que as tribos primitivas oferecessem “iscas” para amansar os espíritos e os orixás, entende-se. Mas um cristão fazer da oração uma ferramenta para dobrar Deus diante de suas próprias vontades, não dá para entender...

            Entretanto, ainda existem cristãos dispostos a rezar para “dobrar” a Deus, dominá-lo por meio de “orações de poder” cujo efeito seria automático, sem perceber que estão confundindo a vida de oração com o exercício da magia.
            Neste Evangelho, a pedido dos próprios discípulos (cf. Lc 11,1), Jesus de Nazaré nos ensina uma oração em que filhos se dirigem a um Pai. É a oração dominical ou o Pai-Nosso. Nela, expressamos três aspirações e fazemos três pedidos. Do mais profundo do fiel, brotam as aspirações pela santificação do Nome de Deus, pela vinda do Reino e pelo cumprimento da vontade divina aqui na terra, tal como se cumpre no céu. E seguem as súplicas pelo pão cotidiano, o essencial, pelo perdão de nossos pecados e pela libertação do maligno.
            Se Jesus nos ensina a rezar assim, é porque tudo isto está de acordo com a vontade do Pai. E seria loucura total pretender que uma oração nossa – por mais engenhosa e sábia - pudesse forçar Deus a fazer alguma coisa que ele mesmo não quer. Pois acontece: cristãos que rezam para que o Senhor Onipotente faça a vontade... deles!
            Como observa o exegeta Hébert Roux, “toda petição é vã se não se inspirar nas verdadeiras necessidades que Deus conhece e revela, que não se atenha ao dom de Deus e ao cumprimento de sua vontade. Aqui também trata-se da justiça do Reino, que se cumpre em Jesus Cristo, e não aquela que o homem natural acredita realizar. A verdadeira oração é uma ação de Deus no homem, e não uma ação do homem sobre Deus”.
            Ridícula pretensão a nossa se pretendemos orientar Deus sobre o que fazer em nossas vidas: ele sabe o que fazer! A oração se torna autêntica quando aquele que reza se declara disposto a cumprir os desígnios do Senhor: “Mostra-me, Senhor, os teus caminhos; guia-me na senda reta!” (Sl 27,11)
            O exemplo perfeito de oração Jesus no-lo deu em sua agonia: “Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice; mas não se faça a minha vontade e, sim, a tua!” (Lc 22,42) Fica bem claro: toda preferência nossa, todo impulso pessoal, toda conveniência fica subordinada a uma vontade maior, que é a vontade do Pai. E seria um absurdo imaginar que nossa vontade fosse mais eficaz e justa que a vontade de Deus.
            Logo antes da Comunhão, rezamos o Pai-Nosso. É que, entrando em simbiose com Jesus, o Filho, nós também somos filhos dispostos a cumprir a vontade do Pai.
Orai sem cessar: “Meu Deus, que eu cumpra a tua vontade!” (Sl 40,8)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

PALAVRA DE VIDA


 Quando deres esmola... (Mt 6,1-6.16-18)
Resultado de imagem para (Mt 6,1-6.16-18)       A esmola está em baixa. Há quem diga que a esmola estimula a preguiça dos vagabundos. Outros afirmam que ela humilha o beneficiado. Naturalmente, é preciso ouvir a opinião dos que passam fome, eles podem discordar...

            Curiosamente, os “Manuscritos” de Santa Teresinha de Lisieux registram experiências de esmola em sua infância. Aliás, quando saíam a passear pelas ruas, Mr. Martin, seu pai, dava-lhe previamente moedinhas para distribuir aos mendigos. “Um dia, vimos um que se arrastava penosamente sobre muletas. Aproximei-me e lhe dei um centavo (un sou); mas não se achando bastante pobre para receber a esmola, olhou-me sorrindo tristemente e recusou-se a tomar o que eu lhe oferecia. Não posso dizer o que se passou em meu coração. [...] Embora tivesse apenas seis anos, disse para mim mesma: ‘Rezarei pelo meu pobre no dia da minha primeira comunhão’.” (Man. A, 52)
            O fato de que a Pequena Teresa cumpriria sua promessa, seis anos depois, nos leva a aproximar a esmola da oração. Nosso compromisso com o próximo inclui as necessidades materiais e as espirituais. As comunidades monásticas, que vivem na clausura, são um admirável exemplo dessa caridade invisível.
            Outra “esmola” mais aceitável em clima de Séc. XXI é o trabalho solidário realizado através das ONGs, de entidades de serviço como os “Médicos sem Fronteiras”, a Cruz Vermelha, missionários cristãos, pastoral carcerária e grupos semelhantes. De fato, dedicar ao próximo o próprio tempo, o próprio trabalho, incluindo riscos para a saúde e para a vida, é uma esmola que não merece críticas.
            Vale lembrar que a palavra esmola vem do latim [eleemosyna], a partir de raízes gregas, onde o substantivo “elaion” [azeite] e o verbo “eleeô” [despertar compaixão por meio de palavras] estão situados no campo semântico de piedade, misericórdia. No ato penitencial, na missa em latim, a súplica “Kyrie, eleison” repete o gesto do mendigo que estende a mão vazia e espera por uma resposta de compaixão.
            Em suma: diante de Deus, nós somos mendigos à espera de seu perdão e de sua cura. Iniciamos nossas celebrações recordando nossa miséria, nossa extrema indigência, esperando que ela toque o coração de Deus, remexa com suas entranhas. De fato, nos Evangelhos, quando Jesus se compadece, logo antes de fazer uma cura ou reanimar um morto, o verbo grego é “esplagnysthe”. Da mesma raiz - splen - em português formou-se o adjetivo esplênico, relativo ao “baço”, indicando o realismo visceral das emoções de Jesus.
            Digamos, então, que a esmola é inseparável da capacidade de comover-se com a dor alheia, sentir um frio na barriga e... abrir as mãos...
Orai sem cessar: “Este pobre pediu socorro e o Senhor o ouviu...” (Sl 34,7)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

terça-feira, 19 de junho de 2018

PALAVRA DE VIDA


 Assim vos tornareis filhos... (Mt 5,43-48)
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            O povo gosta da expressão que traduz a semelhança entre o pai e seu filho: “ele é a cara do Pai”. Jesus também é a cara do Pai. Ele o disse claramente em uma resposta a Filipe: “Quem me vê, vê o Pai”. (Jo 14,9)

            Assim, quando Jesus cura os enfermos, devolve a visão aos cegos, multiplica os pães para a multidão faminta, Jesus manifesta o amor do Pai pela humanidade. E o faria “até o fim” (Jo 13,1) quando se entregou aos suplícios e a morte por nossa salvação.
            No Evangelho de hoje, a exigente lição de Jesus não é uma doutrinação abstrata, mas a expressão de sua prática entre os homens: amar os inimigos, perdoar seus algozes, não reagir aos insultos. Trata-se de um ensinamento que bate de frente contra a práxis de uma sociedade paganizada que prefere “dar o troco”, “pagar na mesma moeda”, e reafirma seus princípios éticos: “bateu levou”, “quem com ferro fere, com ferro será ferido”, “bandido bom é bandido morto”...
            H. Urs von Balthasar comenta esta passagem: “Jesus Cristo é o Filho único de Deus, que nos faz conhecer aquilo que ele ‘viu e ouviu’ junto do Pai (Jo 3,32). Ou seja: que Deus não ama parcialmente, não é justo parcialmente; ao contrário, diante do ataque dos pecadores contra ele, não responde com a retirada de seu amor. Ele o manifesta humanamente, não opondo à força uma força contrária, mas oferecendo na Paixão a outra face, dando dois mil passos com os pecadores, e até mesmo o caminho inteiro. Ele deixa que os soldados lhe tomem não apenas o manto, mas também sua camisa”.
            “Mas sua não resistência tem mais fôlego – prossegue o teólogo – que toda a violência do mundo. Seria um erro erigir a atitude de Jesus como um programa político, pois está claro (mesmo para ele) que a ordem pública não pode renunciar ao poder penal (ele mesmo, em suas parábolas, pode falar desse poder, p. ex., Mt 12,19; Lc 14,31; Mt 22,7.13 etc.). Neste mundo de violência, Cristo apresenta uma forma divina de não violência que ele declarou bem-aventurada para seus sucessores (cf. Mt 5,5), e para cujo exercício ele aqui os convida.”
            Daí, a impropriedade do cristão que clama por vingança, processa seus adversários, espera pela oportunidade de rebater e devolver ofensas e humilhações. Em nenhum passo dos Evangelhos Jesus nos estimulou a eliminar nossos inimigos, mas sempre lembrou que Deus ama também os injustos, reservando para eles a mesma luz do sol e a mesma taxa de chuva que derrama sobre os justos (cf. Mt 5,45) como um Pai carinhoso.
            Pode ser que os honestos não engulam a lição de Jesus, e prefiram a intervenção de Júpiter Tonante, que arremessa seus raios e frita aqueles que não seguem as leis do Olimpo. Mas o Pai de Jesus é um Deus de amor: ama a vítima e o agressor...
Orai sem cessar: “O Senhor é bom, eterna é sua misericórdia...” (Sl 100,5)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

PALAVRA DE VIDA


 Dá a quem te pede... (Mt 5,38-42)
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           Este Evangelho não passa pela goela. Fica entalado. Nosso conceito de justiça está atrelado ao sentimento de vingança. Por isso tantos defendem a pena de morte: matou, tem de morrer! Como se estivesse em vigor a Lei de Talião: olho por olho... Como se Cristo, ainda na cruz do Calvário, não tivesse pedido ao Pai que perdoasse a seus assassinos!

            E assim aferrados à rejeição do conselho de Cristo – oferecer a outra face / dar também a preciosa capa -, nem chegamos a escutar a frase mais importante: “Dá a quem te pede!” E foi o mesmo Jesus quem nos ensinou a pedir ao nosso Pai do Céu: “Pedi e recebereis!” Ora, como pedir ao Pai se nós não atendemos aos irmãos que nos pedem?
            Aliás, quando ensinou sobre o Juízo Final, aquele grande Dia em que estaremos perante o Juiz Universal, Jesus se identificou diretamente com o faminto que bate à nossa porta, com o enfermo que aguarda nossa visita. Sei não, mas é bom não ir despreparado para o nosso julgamento...
            Hoje, quero dedicar-te um meu soneto: Preparação para o Juízo.
Se eu posso ser os olhos para um cego,
Se um pão estendo à fome do andarilho,
Se cuido da viúva como um filho,
Se a quem me pede, estendo a mão, não nego...

            Se, pressuroso, um copo d’água entrego
            Ao sedento que passa pelo trilho,
            Se o pródigo festejo com um novilho
            E vivo exatamente como prego...

Então, serei um bem-aventurado,
Vendo Cristo no irmão que passa ao lado,
Sob a cruz tão pesada do abandono...

            E que alegria quando se descobre
            Que o Rei-Juiz é exatamente o pobre
            Sentado glorioso no seu Trono!

            Seria terrível perder o céu por uma capa que não quisemos ceder... Por mil passos que tentamos economizar... Péssima economia!
Orai sem cessar: “Senhor Jesus, ensina-me a amar!”
Texto e poema de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

domingo, 17 de junho de 2018

PALAVRA DE VIDA


A menor de todas as sementes... (Mc 4,26-34)
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            Deus é miniaturista. Trabalha no pequeno e rejeita o grandioso. A vida dos santos é a prova definitiva desse trabalho microscópico. Quando morreu a pequena Teresa no Carmelo de Lisieux, suas coirmãs se perguntavam que coisas poderiam dizer dela na comunicação aos demais mosteiros. O futuro santo João Maria Vianney, curto de inteligência, foi nomeado pároco de uma pequena aldeia, pois ali os eventuais estragos seriam menores. Damião de Veuster passou sua vida praticamente esquecido entre os leprosos de Molokai...

É assim que nós, enquanto sonhamos com grandes feitos, perdemos seguidamente as oportunidades de edificar o reino nas minúcias de cada dia. A parábola da semente de mostarda acentua o contraste entre nossas pequenas ações e os efeitos surpreendentes da divina Graça.
            São João Crisóstomo [344-407 d. C.] comenta: “Que há de maior que o Reino dos céus e de menor que um grãozinho de mostarda? Como pôde Jesus comparar esse Reino infinito a um minúsculo grão de mostarda, que ocupa tão ínfimo lugar? Entretanto, se examinamos atentamente o Reino dos céus e o grão de mostarda, descobrimos quanto a comparação é justa e natural!
            Evidentemente, o Reino dos céus não outra coisa a não ser o Cristo, pois ele disse de si mesmo: ‘Eis que o Reino de Deus está no meio de vós’ (Lc 17,21). [...] Como acontece que Cristo seja ao mesmo tempo o Reino e o grão, e que ele seja simultaneamente grande e pequeno em relação ao Reino? Vejam: sua misericórdia por aqueles que ele criou é tão grande, que ele se fez tudo para todos, para os ganhar a todos. Por sua própria natureza, ele era Deus, como ainda o é e será para sempre. E tornou-se homem em vista de nossa salvação. ‘Que profundidade na riqueza, na sabedoria e na ciência de Deus! Suas decisões são insondáveis, seus caminhos são impenetráveis!’ (Rm 11,33)
            Ó grão, pelo qual o mundo foi feito, as trevas dispersadas, a Igreja renovada! Como é grande a força desse grão suspenso na cruz! Enquanto estava ali cravado, por uma simples palavra ele arrancou do madeiro o ladrão para o mergulhar nas delicias do paraíso. De seu lado transpassado pela lança, esse grão fez correr para os sedentos uma bebida de imortalidade.
            Depois que o desceram da árvore e o plantaram no jardim, esse grão cobriu toda a terra com seus ramos. Semeado no jardim, esse grão mergulhou suas raízes até os infernos. Dali ele fez saírem as almas e, em três dias, conduziu-as ao céu.
            O Reino dos céus é comparável a um grão de mostarda que um homem semeou em seu campo. Semeia este grão no jardim de tua alma e valerá também para ti a palavra do profeta: ‘Tu serás como um jardim bem irrigado, como uma nascente onde as águas não faltam jamais’. (Is 58,11)
Orai sem cessar: “Senhor, não ando atrás de grandes coisas...” (Sl 131,1)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.